pasados amores
presentes que se aferran
en mantenerse
ocultos dentro del pecho
por más que la hojas tengan
se caído de los árboles
que secos se llenan
y desnudos
recubren su frescor…
en los labios de la aurora miro
tus ojos
lucidos de pasión
que se derraman de irracionalidad
buscando el calor
de mis brazos
abiertos como
tus valles
recónditos
© Antônio Jackson de Souza Brandão
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
domingo, 2 de setembro de 2007
REPRESENTAÇÃO POÉTICA NA ARTE BARROCA
A poética do século XVII não deve ser entendida como uma poética de experiências pessoais no sentido contemporâneo, já que se baseia em formas, temas e conceitos preestabelecidos, mormente na filosofia e na retórica antigas. A literatura é, nesse momento, uma representação retoricamente codificada.
O eu lírico “individual” cede espaço a um eu lírico “coletivo”, seguindo os preceitos sociais vigentes; não há, portanto, plágio, nem apelo à originalidade − no sentido romântico −, nem empiria, visto que todos os preceitos já estão determinados na fonte retórica dos auctores que devem ser imitados, pois não são somente fontes de saber, mas um tesouro da ciência e da filosofia da vida[1]. Assim, o psicologismo , a força criadora da imaginação do artista − os gregos sequer conheciam tal conceito, nem possuíam palavras para exprimir essa idéia[2] − e sua genialidade individual era de somenos importância, pois o que importava era sua habilidade técnica − verossímil e retórica − no emprego das tópicas apropriadas. O poeta, por exemplo, busca a aemulatio, a superação operada tecnicamente, e é exatamente isso que o público, que também domina o sistema de prescrições do autor, espera encontrar: uma repetição, porém recontada de outra forma, pois é essa que lhe dará prazer.
As relações sociais são igualmente rígidas, não havendo o conceito contemporâneo de democracia, visto que tal sociedade está embasada nos privilégios e na demonstração de superioridade de um estamento sobre o outro. Assim, o tipo humano que melhor representa a racionalidade do momento é o discreto, ideal de excelência humana, cujos padrões eram o gênio, o engenho, a prudência, a agudeza, a dissimulação honesta, o conhecimento de retórica, da poesia, de história e filosofia antigas. Tais qualidades eram imprescindíveis para se empregar as técnicas do decoro, normas de conveniência social em que se discernia o que é melhor para cada momento, cada situação, seja em termos éticos, retóricos ou políticos. O decoro estabelecia aquilo que deveria ser “natural” − mesmo que, para o homem do século XXI pareça “artificial” −, e habitual, impondo limites para a criação artística. Assim, será considerado decoro, por exemplo, cada gênero ter seu próprio léxico. Mas quando as preceptivas dadas a determinado gênero não são empregadas seguindo tais normas, será indecoroso, como por exemplo, utilizar palavras obscenas no gênero trágico, o que não se aplica à comédia ou à farsa.
Vemos uma sociedade mecanicista, calcada numa disciplina e organização maior que a de outros períodos, apesar de seu aparente aspecto de desordem[3]. Para todos os momentos da vida, haverá sempre uma resposta com cada um sabendo exatamente qual é o seu papel no palco do mundo. A tópica do ‘grande teatro do mundo’ converte-se em um instrumento imobilista da maior eficácia”[4], por isso todo comportamento barroco tende a ser uma moral da acomodação[5], já que os poderes sociais servem-se dela para montar mecanismos de contenção e coerção sociais[6].
A verossimilhança, a partir dessa preceptiva, consistirá em representar aquilo que se acredita verdadeiro, segundo as determinações sociais do período, reproduzindo, na estrutura das obras, as motivações, explicações e prescrições próprias do gênero na qual está inserida, valendo-se do estilo e do léxico apropriados: ultrapassa-se aqui a verdade factual e adentra-se a contratual e a social.
Para que isso seja possível, é mister a utilização do engenho, força do intelecto que compreende dois talentos: perspicácia dialética e versatilidade retórica. Aquela penetra nas mais distantes e diminutas circunstâncias de cada assunto, esta confronta rapidamente todas essas circunstâncias entre si, ou com o assunto. O resultado desse trabalho intelectual é a agudeza, “modelo cultural de uma memória social de usos dos signos partilhada coletivamente”[7], que definirá a hierarquização de uma retórica comportamental, bem como o esquema ordenador das práticas da representação do século XVII, seja nos livros de emblemas, de empresas, nas preceptivas retórico-poéticas, na poesia e na pintura, ou na codificação dos gêneros e estilos a que cada um pertence, adequando-os à grande variedade de tópicas, situações e comportamentos.
Nota-se que a Retórica aristotélica − a “arte de falar”, de construir o discurso artisticamente − terá um papel importante na vida do homem seiscentista, exatamente porque é uma arte de persuasão, exige técnica, método e conhecimento do público a quem o discurso destina-se. Para Aristóteles − que quis provar com sua obra que as rejeições de Platão à retórica eram infundadas, já que este a havia repudiado, como o fizera com a poética[8] − “a educação retórica, combinada com o ensino da lógica e da dialética, devia capacitar o discípulo a influenciar os ouvintes. E, dado o caso, também ‘tornar mais forte a causa mais fraca’”.[9] Para que isso fosse possível, trata em sua Retórica dos apotegmas dos auctores, em cujos poemas havia centenas de milhares de versos que condensavam experiências psicológicas e regras de vida[10], largamente utilizados pelos teóricos e poetas barrocos.
Além de Aristóteles, Quintiliano terá grande influência no século XVII e sua obra Institutio oratoria (95 A.D.), com doze volumes, considerada uma das melhores obras que nos legou a Antigüidade, é um tratado sobre a educação do homem. Para Quintiliano, “o homem ideal só pode ser orador, pois só a ele concedeu o Deus supremo e formador dos mundos o privilégio da fala”. Dessa forma, a oratória está muito acima da astronomia, da matemática e de outras ciências[11], logo deve-se dar importância aos auctores e a seus apotegmas, chamados por ele de sentenças, que deviam ser “versos mnemônicos”: para serem guardados de cor, colecionados e dispostos em ordem alfabética para facilmente serem consultados[12] e empregados.
A retórica terá uma grande abrangência no século XVII e dela fará grande utilização o artista, já que toda representação, codificada retoricamente, implicará seu profundo conhecimento, pois a arte do período será puramente mimética e sistêmica. Conheciam-se não só todas as cinco partes da retórica[13], como as situações em que deveriam ser empregadas seus argumentos. Esses eram chamados de topoi − tópicas − em grego, e loci communes − lugar-comum − em latim. Empregavam-se, originalmente, na elaboração de discursos, entretanto “a poesia também impregnou-se de espírito retórico. A retórica perdeu, destarte, seu sentido primordial, sua razão de ser. Por outro lado, penetrou em todos os gêneros literários. (...) Assumem os topoi uma nova função: transformam-se em clichês de emprego universal na literatura e espalham-se por todos os terrenos da vida literária.”[14]
O período também estará impregnado do elemento sacro. A divindade estará presente em tudo e em todas as relações, o que se evidencia na leitura que os artistas da época fazem da natureza: nela tudo tem um significado, até mesmo no ato de proclamar sermões, Deus se faz presente nas palavras proferidas; som e conceito estão intrinsecamente unidos, daí crer-se no esconjuro e na maldição. Temos uma interpretação teológica do mundo e esse é a própria representação do divino: tudo na natureza tem um significado e o significado das coisas não só é a Palavra de Deus[15] como as coisas são portadoras dela.[16]
A Sagrada Escritura − que terá grande influência no período − possui um senso espiritual e místico − sensus espiritualis e mysticus −, diferente da literatura profana com seu sensus litteralis. Dessa forma, aquela com seu sentido alegórico ensina o significado da história da salvação à alma cristã e esta nos dá o fato.[18] A alegoria que transmite o sacro deve ser, forçosamente, complexa e obscura, porque se consolida em complexos verbais que têm de ser imutáveis; dessa forma, para o homem do século XVII, a escrita alfabética teria menos condição de expressar o divino ao contrário dos hieróglifos.[19] Assim, “o desejo de assegurar o caráter sagrado da escrita − o conflito entre a validade sagrada e a inteligibilidade profana está sempre presente − impele essa escrita a complexos sinais, a hieróglifos. É o que se passa com o Barroco. Externamente e estilisticamente − na contundência das formas tipográficas como no exagero das metáforas − a palavra escrita tende à expressão visual.”[20] A alegoria será então “o esforço científico para o conhecimento da Palavra de Deus e portanto a base da Teologia,”[21] que permeará todas as relações do período, pois ela mesma, “embora uma convenção como qualquer escrita, era vista como criada, da mesma forma que a escrita sagrada”.[22]
© Prof. Antônio Jackson de Souza Brandão
[1] Cf.: CURTIUS, Ernst Robert. p. 95.
[2] Id ibidem. p. 485
[3] Cf.: MARAVALL, José Antonio. p. 126.
[4] Id. ibidem. p. 255.
[5] Cf.: id. ibidem. p. 259.
[6] Cf.: id. ibidem.p. 273.
[7] HANSEN, João Adolfo.
[8] Cf.: CURTIUS, Ernst Robert. p. 103.
[9] Cf.: id. ibidem. p. 102.
[10] Cf.: id. Ibidem. p. 95.
[11] Cf.: id. ibidem. p. 104.
[12]Cf.: id. Ibidem. p. 95.
[13] Como arte (ars), a retórica compreende cinco partes: inventio, dispositio, elocutio, memoria, actio; e formam o objeto da retórica (materia artis) três gêneros de eloqüência: o discurso forense (genus iudiciale), o discurso deliberativo (genus deliberativum) e o discurso laudatório ou solene (genus demonstrativum). Havia, entretanto, outros gêneros: o epitalâmio, a oração fúnebre, o discurso de aniversário, o de consolação, o de saudação, o de felicitação, entre outros.
[14] CURTIUS, Ernst Robert. Op. cit p. 109.
[15] Cf.: JÖNS, Walter Dietrich. p. 31.
[16] Cf.: id ibidem. p. 32.
[18] Cf.: id ibidem. p. 30.
[19] Cf.: BENJAMIM, Walter. p. 197.
[20] Id ibidem, pp. 197-198.
[21] JÖNS, Walter Dietrich. p. 31
[22] BENJAMIM, Walter. p. 197.