segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O problema é maior que uma minissaia



Antônio Jackson de Souza Brandão

Fala-se muito da importância da liberdade, do papel da sociedade em coibir certas práticas preconceituosas contra os negros, as mulheres, os pobres, os homossexuais... Demonstra-se, com isso, a crescente maturidade de grande parcela da população, que procura adequar-se àquilo que se chama de “politicamente correto”. Parte desses arautos, porém, foram os que fizeram coro contra a eleição do presidente “analfabeto”, o mesmo que envergonharia a terra tupiniquim no exterior. Mas, o que se vê lá fora é um pouco diferente: o “analfa” não para de receber condecorações, deixando, por aqui, os doutores nisso e os doutores daquilo de cabelo em pé. E, o pior dos crimes, o analfabeto está se transformando em um estadista (e olha que nunca tivemos um nessa envergadura!), apesar de não possuir curso superior...
Parece paradoxal? Não é. Há muitos que se orgulham de seus diplomas pendurados em paredes, mas continuam analfabetos! Triste daqueles que acham que o curso superior é semelhante à pedra filosofal que transforma o material bruto em ouro, o parvo em culto. Pó mágico que transformaria a inépcia da leitura diária, das noites insones diante de livros e das discussões intelectuais em um manancial de cultura e saber. Mas, não é assim que as coisas (usei coisa proposital, caso meus ex alunos estejam lendo!) funcionam.
A universidade não tem esse poder transformador, primeiro porque tal pedra filosofal não existe; segundo, sem esforço próprio (e haja esforço!) não se vislumbra mudança alguma, nem a individual nem a coletiva, aquela que se espera daqueles que frequentam cursos universitários pelo país. Estes, por sinal, ganharam freguesia nova, motivada por políticas expansionistas do ensino superior no país, efetuadas por quem? Por aquele que alguns insistem em chamar de “analfabeto”, basta ver o que o Prouni anda fazendo pelo Brasil.
Mas, isso é bom? É e não é. É bom porque grande parcela da população, que nunca vislumbraria com um curso superior, pode-se dar ao luxo de frequentá-lo, algo inimaginável por muitos num passado recente. No entanto, tal alijamento demonstrou ser um erro estratégico de muitos governantes que ignoraram o avanço da sociedade e de sua dinamicidade, preferindo restringir a universidade para uma parcela mínima da população. Para quem quiser entender melhor esse “erro estratégico”, basta tomar o exemplo da Coreia do Sul, e verificará de modo mais claro o atraso socioeconômico que nossos “cultos” governantes intelectuais nos relegaram.
Por outro lado, tal “socialização” dos cursos superiores levaram a uma degradação geral da grande maioria dos cursos, algo só visto, nessa magnitude, na universalização efetiva do ensino fundamental e na deteriorização das escolas públicas no Brasil. Só que, constata-se agora uma inversão no ensino superior brasileiro: sua degradação é muito mais acentuada nas universidades particulares do que nas públicas e isso se dá, de forma abissal e alarmente nos cursos de licenciatura, base dos futuros professores de nossas crianças.
Os cursos de humanidades, por exemplo, antes o cerne universitário – filosofia, letras, ciências humanas – tornaram-se um curral para os conglomerados educacionais. Como são destinados às massas, valem-se da quantidade de bois que é possível manter juntos: quanto maior o número, maior o lucro. Tais cursos têm a única e exclusiva finalidade de “financiar” outros e são a menina dos olhos de qualquer universidade que se preze, como os de medicina e de engenharia. Isso porque são estes os expostos pela mídia, pelo marketing, por meio de fotos de seus laboratórios e de suas instalações, ou via resultado de pesquisas e de trabalhos publicados em órgãos internacionais. Evidentemente, excluem-se desse meio as universidades que se tornaram meras fábricas de diplomas, pois para essas os objetivos são claros: se há um galpão que pode ser transformado em sala de aula, lá estão eles comprando e transformando-o em um novo templo à procura dos dízimos de seus desgraçados fiéis, prometendo-lhe acesso antecipado ao mercado de trabalho (não há aqui nenhuma mera coincidência!).
Como impedir que um fiel desesperado não dê tudo o que tem a um pastor mal intencionado, ou que um aluno não estude em uma universidade de péssima qualidade, se ambos – o pastor e a universidade – oferecem o paraíso aqui e agora? Basta, proporcionar a todos os cidadãos uma base sólida por meio de uma educação de excelente qualidade! É muito fácil para essas instituições falar em livre-arbítrio, em liberdade de escolha, de que elas é que foram procuradas... mas são elas que insistem em não fornecer os elementos necessários para que esse livre-arbítrio seja construído. Muito pelo contrário: onde estão os excelentes cursos de licenciatura? E lá se tem o maldito círculo vicioso, que em alemão tem o sugestivo nome de “Teufelkreis” (círculo do diabo, em tradução livre!), cerceando a clareza e a verdadeira liberdade.
Um exemplo? O fato ocorrido em uma universidade curral, em que uma aluna foi execrada por colegas dentro de um de seus vários “campi” e por isso, simplesmente, expulsa de seus quadros. O pior é que a tal universidade ainda vem a público, depois de um fato horripilante e visto por todo o mundo, fazer-se séria e dizer que, tal retaliação foi devida à atitude da aluna, já que “educação se faz com atitude, não com complacência”. (Atitude? Complacência? Seriam esses termos bem empregados?) Vale salientar que, na entrada desse tipo de instituição, há catracas e seguranças que verificam a entrada de alunos e professores. Se um aluno estiver violando alguma norma interna da instituição, é obrigação de sua segurança interna barrar o mesmo, encaminhando-o aos órgãos internos competentes. Agora, permitir o contrário, permitir a execração pública, como se verificou, foi um ato de descaso total, uma atitude de falta de complacência.
Em um espaço em que não se busca a excelência, a pesquisa, a competência de seu corpo docente, mas o nivelamente baixo do curral, a inexistência de uma estrutura digna e a utilização de professores não-doutores e mestres para ministrar aulas (ou que não percebam como tal), que se pode esperar de uma instituição assim? Muito pouco ou quase nada. A permissividade já faz parte dessa estrutura, quando se vê que, nos cursos noturnos, ao invés de quatro aulas, há três; ao invés de um intervalo de quinze minutos (mais do que suficiente para adultos), observa-se um de mais de trinta minutos! O que os alunos fazem nesse tempo? Vão ao boteco, cantam um sambinha, paqueram garotas de minissaia vermelha, amarela, preta... e a tal universidade tem coragem de vir a público e falar em “responsabilidade social?” Ou dizer que seus “alunos foram aviltados”? Quem está aviltando quem?
Quando vejo a que foi relegado o curso de letras (com letra minúscula mesmo!), sinto-me impelido a envergonhar-me de ter feito esse indispensável curso. Quando o frequentei, tínhamos de estudar, no mínimo, quatro anos (bacharelado), acrescido de mais um ano de licenciatura. O que vemos hoje nas universidades de curral é o mesmo sendo oferecido em três anos, com muito menos aulas por semana e para uma clientela com, cada vez mais, baixo prerequisitos mínimos! Pior que tudo isso é o fato de que tais universidades sempre prometerem o impossível: a possibilidade de se fazer graduação com pós-graduação concomitantemente! Das duas uma, ou gênios ministram aulas para gênios e há uma perfeita simbiose (pode ser uma protocooperação?) entre eles; ou descobriram a pedra filosofal, só que ao invés de transformarem o parvo em culto, estão transformando falsas esperanças de um futuro melhor para o indivíduo e a sociedade em contas correntes repletas de dinheiro do contribuinte!
Não é mais possível que o MEC tape o sol com a peneira, nem que o governo continue financiando o lucro exorbitante de grupos universitários de curral. Não é esse sistema que vai fazer de nós uma grande nação! O primeiro passo já foi dado – e foi bem feito –, mas a fiscalização tem de ser bem mais ampla e efetiva, a fim de que atos de terrorismo como o verificados no “campus” universitário em São Bernardo, plataforma do presidente companheiro, nunca mais se verifiquem, não pelo ato em si, mas por aquilo que ele encobre, por tudo aquilo que subjaz à pretensa responsabilidade moral e ética. Não se pode mais esquecer que o termo hipocrisia não rima com educação, mas que liberdade universitária pode rimar, infelizmente, com mediocridade.