sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Como moribundos
Antônio Jackson de Souza Brandão
Falar em violência virou lugar-comum há muito tempo no Brasil. Inúmeras pesquisas indicam que essa é uma das grandes preocupações dos brasileiros há muito superada pela inflação que, pelo visto, virou coisa do passado.
Suas causas podem ser várias. Lembro-me muito, lá pelos idos dos anos 80, que grande parte da preocupação do momento, pelo menos para nós que estávamos inseridos nos modelos da teologia da libertação, era o desnível social, a falta da distribuição de renda, o alijamento de alguns membros da sociedade das benesses proporcionadas por nossa sociedade de consumo... assim, esses não viam outra opção que galgar os meandros do crime.
As coisas mudaram muito no Brasil, inclusive a própria violência. Esta antes restrita a camadas menos favorecidas de nossa sociedade, voltou-se para todas elas, sem o menor preconceito: saiu da favela e entrou no palácio; estirou seus membros da Rocinha, da Cidade de Deus, de Heliópolis e de Americanópolis para a Barra, para os Jardins e para o Morumbi.
É evidente que as drogas têm um papel protagonista nessa situação, mas... (é sempre ela, essa adversativa sempre mostra que as coisas vão para outros lados, ou seja, não é bem assim que as coisas são...) mas, a degradação das famílias e o abandono de seu papel pelos pais têm piorado esse quadro.
Os chamados filhinhos de papai não sabem o que é limite e estão sempre resguardados por suas famílias que têm seu nome a zelar. Essas só se esqueceram de que para sua concretização não basta tapar o sol com a peneira da indiferença, mas encarar o problema de frente: criticam as famílias mais pobres por terem filhos às pencas, mas de que vale ter somente um se não se sabe educá-lo para a sociedade? Se essa criança, futuro adolescente revoltado ou acomodado, vai fazer com que os pais respondam depois por aquilo que não fizeram quando deveriam ter feito, ou seja, quando seu rebento era o que era: um botão que necessitava de cuidados especiais? Não, é mais fácil delegar... só se esquece de um pequeno detalhe: não é possível delegar responsabilidades civis!
Há muitos anos no magistério, já vi e ouvi tanta coisa que deixariam de cabelo em pé qualquer um. Me lembro de uma garota em um grande colégio de São Paulo no bairro nobre dos Jardins. Uma vez falando sobre colesterol, ouvi-a dizer que o pai deveria ter o seu muito alto, já que era gordo, não fazia ginástica e não se importava com nada: ele só sabe trabalhar, Jack! Ah, detalhe, ela disse em alto e bom som: ele tem de morrer logo... quem sabe me deixa alguma coisa!
Nossa, assustador! pelo menos para mim. O infeliz do pai se mata, paga um colégio caro, envia a filha para intercâmbio no estrangeiro (no segundo ano do ensino médio, há o costume de se fazer viagens de estudo no exterior) e ela acha que o mesmo tem de morrer logo!
Fria, seca e indiferente foram suas palavras, não é à toa que há muitas Richthofen nas classes A e AA, aguardando sua vez para agir: não pensem que vocês pais estão imunes! ou se educa enquanto são pequenos, ou ariverderci amici.
Mas, se eu falar para vocês o que me motivou a escrever essas poucas linhas, muitos podem dizer: coisa de poeta que gosta de voar... Pode ser, mas não pude deixar de me manter indiferente às fotos de um jogador de Fluminense que comemorou seu gol (diante do quase iminente rebaixamento), utilizando as mãos como se fossem armas que atingem o inimigo.
Vindo de uma cidade como o Rio de Janeiro não é de se esperar outra coisa. Não, não pensem que tenho o preconceito bobo que existe entre as duas maiores cidades brasileiras, vai muito longe disso: amo o Rio, suas paisagens e sua gente. Emocionei-me quando ela foi escolhida para sediar as olimpíadas (estamos virando gente importante!), mas não tenho como abominar um gesto tão grosseiro com que os portais de internet me brindam, quando os abro à procura de algo construtivo para ler.
Esses jogadores deveriam se lembrar de que, como pais, têm de dar exemplo, estão sendo vistos por jovens e adolescentes, muitos dos quais abandonados à própria sorte e em busca de heróis! O gesto infeliz demonstra uma total miopia, já que a vida se faz de pequenas batalhas travadas diariamente. Nenhuma delas é a única e definitiva, dificilmente uma guerra se vence com uma só. A alegria momentânea pode ser somente uma falsa esperança, como aquelas que os moribundos dão antes de morrer.
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