quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

navidad



navidad
semilla de nuevas esperanzas
tiempo que nos abre
para otro que se acerca
luz en el túnel de las historias individuales
que se preparan para otro año de
luchas, incertidumbres, desvelos

¿qué evoca la imagen del niño
en su simple rincón?
la certeza de una cosecha
repleta y buena en vidas
desesperanzadas amargas perdidas
vacías de una procura sin esfuerzo
disipadas en medio de regalos
artificiales que quieren comprar
amistades cariños desilusiones
pero se olvidan
que no es posible comprar
los sueños

© Antônio Jackson de S. Brandão

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ASPECTOS DA LINGUAGEM FOTOGRÁFICA: DO RENASCIMENTO À ERA DIGITAL

Antônio Jackson de Souza Brandão

RESUMO – O artigo abordará alguns pressupostos acerca da imagem a partir da busca por realismo na pintura renascentista e sua concretização na fotografia. Para isso é necessário levantar alguns conceitos como visão imagética na Idade Média e sua transição para a do Renascimento e a autoafirmação da pintura como uma arte liberal. Além disso, discutiremos também o papel desempenhado pela ciência na efetivação e emprego da câmara escura tanto na arte quanto na formação da imagem fotográfica.

Palavras-chave: Fotografia, Idade Média, Renascimento, luz, imagem.

ABSTRACT – The article will approach some information concerning the image from the search for realism in the Renaissance painting and its concretion in the photograph. For this, it is necessary to list some concepts as imagery vision in the Middle Ages and its transition for Renaissance and the establishment of the painting as a liberal art. Besides, we will also argue the executed role by the science in the result and role of the obscura camera both in art as in the formation of the photographic image.

Keywords: Photograph, Middle Ages, Renaissance, light, imagery.

INTRODUÇÃO

Há quase dois séculos, a fotografia revolucionou aquilo que conhecemos por imagem e ela está cada vez mais próxima e acessível a todos. Esse seu poder de estar em todos os lugares, sua ubiquidade, força-nos a acreditar que isso só tenha sido possível devido a nossa técnica hodierna.
Esquecemo-nos, no entanto, de que esse processo é bem mais antigo, visto que tem origem em outros procedimentos utilizados pelo homem há milênios, como a utilização da câmara escura. Além disso, a própria palavra técnica pode nos induzir a esse vislumbramento, porém, etimologicamente, a palavra vem do termo τέχυη (téchne), cuja acepção para os gregos era arte manual, habilidade (manual ou em coisas do espírito), conhecimento teórico, método, artifício, obra artística, tratado sobre arte. Técnica e arte, portanto, não são excludentes, mas fazem parte de um processo comum, imiscuem-se.
Quando, por exemplo, nos deparamos com uma obra pictórica do Renascimento , sabemos que esse período rompeu com a Weltanschauung medieval, revolucionou, inclusive, nossa percepção do mundo, abrindo-nos a percepção unilocular do mundo que nos envolve. Muitos, entretanto se esquecem de que em tal modelo figurativo utilizava-se maciçamente da técnica (segundo nossa acepção), visto que muitos de seus expoentes valiam-se de aparatos para realizar seu ofício como o intersector ou a câmara escura.
Esta será, inclusive, o primeiro passo para o posterior aparecimento da máquina fotográfica. Foi justamente seu desenvolvimento nos séculos XVI ao XIX – abertura do orifício, utilização de lentes, emprego do diafragma – que deixaria a primeira etapa da fotografia pronta: o domínio e o conhecimento da luz possibilitados pela física, abrindo caminhos para o posterior aprimoramento da etapa química do processo fotográfico.
Se o homem do século XIX via na fotografia uma cópia fidedigna da natureza, no Renascimento buscava-se não só o retratar o real, mas criar esse próprio real, por meio de uma analogua absoluta. Tal processo durou quatro séculos, mas foi rompido pela fotografia e sua inquestionável realidade que abriu campo para que as artes pictórica se voltassem para seu próprio escopo.
Nós, porém ao chegarmos ao Futuro e vislumbrarmos a fotografia digital e todas as suas possiblidades de manipulação, não conseguimos mais acreditar simplesmente na veracidade fotográfica: isso é real ou é Photoshop? Sim, vivemos uma nova revolução, um novo Renascimento, mas a fotografia ainda está mais viva do que nunca.

FAÇA-SE A LUZ

Deus disse: Faça-se a luz" E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas noite (Gn 1,3-4 )


Benjamim falou-nos do pensamento que, incansável, não para de perseguir as coisas e, nessa perseguição, considera seu objeto sob os mais variados ângulos possíveis. À semelhança de um mosaico (Cf. BENJAMIM, 1984, p. 50) que, para ser vislumbrado, necessita da contemplação não da parte, a qual sequer se relaciona intrinsecamente e que está em contiguidade, mas do todo. Este não passa da alternância entre o fragmento e o vazio do encaixe. Ambos, porém, não são excludentes, completam-se na obra, assim como a luz e a escuridão que, em seu ciclo, é o princípio do agir, do pensamento, da arte, da vida, enfim de tudo,

A obra universal da LUZ é a morada de todas as coisas. Trata-se de uma ENERGEIA, uma operação ontológica que põe tudo em obra, por constituir em tudo o que, antes de ser, já sempre era ser (...), Boécio traduziu para o latim uma expressão corrente na Idade Média: quod quid erat esse. (LEÃO, 2006, p. 64.)

A luz para os gregos possuía a qualidade de encetar toda a criação; para nós, a mesma luz, via fotografia, abriu a oportunidade não só de conhecermos essa mesma criação como também irmos além, de penetrarmos em suas minúcias, em seus detalhes, permitindo-nos jogar com a extensão das coisas: aumentando o diminuto ou diminuindo o avantajado, favorecendo o que chamamos de prazer estético , oferecido pela técnica fotográfica que nos permitiu vislumbrar

mundos imagéticos que se escondem no pequeno detalhe, suficientemente significativos e ocultos para encontrarem abrigo nos estados de devaneio, mas tendo agora se tornado grandes e formuláveis, capazes de fazer com que a diferença entre técnica e magia seja visível como uma variável de natureza histórica. (BENJAMIM, 1991, p. 222)

Distanciando-nos da peça do mosaico, conseguimos vê-lo na totalidade. A fotografia fez, exatamente, o contrário, tornou possível conhecer o outro lado das coisas por sua aproximação. É como se, de repente, nos fosse possível conhecer o outro lado da lua, o mesmo que, devido à ausência de luz, ainda desconhecemos. No entanto, para que o sonho de perpassar não só pequenos mundos – antes desconhecidos, já que não percebidos – como também a nós próprios – nossas particularidades, nossa face oculta que teimamos em não nos revelar – fosse possível, foi necessário aprender a dominar a luz; à diferença do fogo dado por Prometeu, agora essa foi uma conquista do próprio homo sapiens com auxílio de suas τέχυαι (téchnai).
Por meio delas e sujeitando a luz (como se Prometeu também a tivesse entregado), o homem criou o processo fotográfico (φωτός – luz; γραφή – escrita, linha, processo), concretizando um sonho perseguido há muito pela humanidade: o de poder reproduzir e fixar aquilo que o olho vê na natureza, cujo início remonta à própria humanidade. Quando o homem primitivo, utilizando-se da luz de tochas nas cavernas escuras, decalcava suas mãos nas paredes à semelhança das sombras produzidas pela luz, é como se antevisse a criação de fotogramas (Cf.: DUBOIS, 2006, pp. 67-71); ou mesmo no início da pintura que, segundo Plínio, tem origem na fixação do contorno humano também a partir de sua sombra .
Pode-se compreender porque, apesar de o processo fotográfico só ter sido possível em sua totalidade na primeira metade do século XIX, a fotografia

existierte in Gestalt von Plänen und Projekten, nicht zuletzt aber auch von Phantasien, Träumen und Mythen. Die Pläne und Projekte gehören ebenso wie die Vorarbeiten und Vorstufen zur Erfindung der Photographie in den Bereich der Technik- und Wissenschaftsgeschichte und interessieren den Literaturwissenschaftler nur mittelbar. Aber für Träume, Phantasien und Mythen ist die Literatur und ihre Wissenschaft zuständig.
Lange bevor sich die Physiker und Chemiker der Idee der Photographie bemächtigten, begegnen wir dieser in literarischen Zeugnissen.
(KOPPEN, 1987, pp. 15-16)

[tradução livre: existia na forma de planos e projetos, e para não esquecer também em fantasias, sonhos e mitos. Os planos e projetos faziam parte inclusive da preparação e das etapas iniciais em direção à invenção da fotografia no campo da história da técnica e da ciência, e interessavam, só indiretamente, à ciência literária. Mas a ciência literária é competente em sonhos, fantasias e mitos. Muito antes de os físicos e químicos apossarem-se da idéia da fotografia, nós a conhecíamos nos testemunhos literários.]

Exemplo desse indício literário acerca da reprodutibilidade imagética já havia sido preconizado no mundo mítico grego a partir da história de Narciso que, segundo Koppen, é visto hoje somente sob o prisma de uma interpretação psicológica e psicanalítica, mas que antes dessas leituras permitia uma associação à imagem especular, afinal o espelho é a primeira reprodução imagética da realidade. (Cf. ibidem, pp. 16-17)
Deve-se considerar quando se fala em anseio da humanidade, que o surgimento da fotografia representou um conjunto de fatores e de conhecimentos esparsos adquiridos no correr dos séculos, em áreas distintas do conhecimento: física, química, filosofia e artes, portanto sua invenção

(...) não pode ser confundida [simplesmente] com a descoberta das placas sensíveis à luz e por isso a data de 1826 (quando Nièpce registra ou fixa a imagem na chapa fotográfica pela primeira vez) é arbitrária para designar o nascimento do processo. A fixação fotoquímica dos sinais de luz é apenas uma das técnicas constitutivas da fotografia; a câmara fotográfica, porém, já estava inventada desde o Renascimento, quando proliferou sob a forma de aparelhos construídos sob o princípio da câmara obscura (...). (MACHADO, 1984, p. 30)

É justamente no Renascimento, período em que grandes transformações sócioeconômicas ocorreram, que a arte pictórica procurou romper com a teoria dogmática que relegava a pintura a um plano secundário – às artes mecânicas (ars mechanicae) – em relação às chamadas artes liberais (ars liberae).
Tal conceituação remonta ao primeiro século de nossa era, quando as chamadas artes liberais designavam aquelas dignas dos homens livres em contraposição às mecânicas, próprias do trabalhador manual. O filósofo romano Varrão havia classificado as artes liberais em nove: gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia, música, arquitetura e medicina. No séc. V d.C., Marciano Capela em seu As Núpcias de Mercúrio com a Filologia reduzia-as a sete: gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música, eliminando a arquitetura e a medicina. Dessa forma, a pintura, a escultura e a arquitetura (só para citar as que consideramos arte) foram relegadas a um plano inferior por séculos. Finalmente, no século VI, Isidoro em seu Etymologiae (550) e Casiodro com seu Institutiones divinarum et humanorum lectionum (562), dividiram-nas em duas categorias: o trivium e o quadrivium, este corresponderia a aritmética, geometria, astronomia e música, aquele a gramática, dialética e retórica. Havia se instaurado, de modo incipiente, a divisão que chegaria até nós entre as ciências matemáticas e as filosóficas, ou seja, a distinção que se faria, posteriormente, entre as artes (τέχυη para os gregos) que visavam à arte (ao belo) e à técnica (utilidade).
Mais do que adentrar no mundo das artes liberais, a virtù visiva passaria a ocupar o lugar que pertencia ao ouvido: enquanto no medievo Deus falava ao homem pelo ouvido , agora Deus falaria por meio de imagens.
Essa mudança de enfoque deveu-se, sobretudo, ao avanço do campo pictórico e à adequação do fazer artístico às ciências, renovando não só a arte medieval como também modificando seu ponto de vista em relação ao emprego imagético. Por isso, os teóricos do Renascimento, como Alberti, enfatizavam a necessidade de centralizar a narrativa pictórica como princípio básico do perspectivismo – na arte medieval aceitava-se uma seqüência narrativa dentro de um mesmo quadro (fig. 1):

Alberti destacou a perfeição do perspectivismo como método infalível para representar o visível. A identidade entre o visível e o verdadeiro refletia perfeitamente o espírito científico renascentista. A pintura deve formar-se como uma “janela” onde o espaço é enquadrado segundo princípios quantitativos que diminuem a função discursiva em favor da autonomia do figurativo. Assim, a perspectiva se estabelece na confiança numa posição escópica estável do sujeito contemplador (...). (SCHØLLHAMMER, 2001, p. 35)



A obra de arte renascentista se fundamentará na perspectiva unilocular, ou seja, a partir de um único ponto de vista, de um único ponto de fuga. É esse enfoque que permanecerá na sociedade ocidental durante séculos e também influirá na própria fotografia (fig. 2).
Por outro lado, a obsessão criada pelo Renascimento em torno da concepção e do efeito de realismo imagético vai além de uma mera representação:

Não se tratava apenas (...) de buscar recursos para representar o “real”, no sentido de que todo e qualquer sistema de signos busca de alguma forma se referir a algo “real”: a estratégia renascentista visava suprimir – ou pelo menos reprimir – a própria representação, na medida em que esse analogon buscado deveria ter espessura e densidade suficientes para se fazer passar pelo próprio “real”.
Na verdade, mais que analogia, o que a imagem figurativa buscou esse tempo todo foi uma homologia absoluta, a identidade perfeita entre o signo e o designado.
(MACHADO, op. cit. p. 27)



Tal concepção era improvável no mundo medieval, cujas obras planas se baseavam, entre outros aspectos, no hieratismo, na frontalidade, na isocefalia, na isodactilia, na falta de perspectiva e de profundidade (fig. 3). Prevalecia, naquele momento, não só a interpretação metafísica da estrutura do corpo humano (PANOFSKY, 2001, p. 128) , como também as especulações cosmológicas eram centradas em correspondências fixadas por Deus e ordenadas entre o homem e o universo. As proporções do ser humano, por exemplo, eram explicadas pelo plano harmonioso da criação divina. (Cf.: ibidem, p.129)



A arte medieval, portanto, era pura simbologia, expressando a visão de um mundo teocrático e mágico; na renascentista, há um outro ponto de vista: por meio das leis matemáticas da perspectiva linear, o plano bidimensional da pintura adquire a ilusão de um espaço tridimensional a partir de um único ponto de fuga. Assim, a introdução dessa terceira dimensão é que permitia ver a cena simulando distância, volume e massa. Busca-se criar um efeito de realidade vista pelos olhos, um quase naturalismo, não no sentido de um gênero, ou de um momento literário, mas no de busca da perfeição daquilo que é imitado:

basado en el profundo deseo humano de una reproducción objetiva del entorno en su totalidad o en sus aspectos parciales. Así, por tanto, el naturalista no puede ‘estilizar’ (...) apartarse de la visión natural por medio de un método configurador, una expresión subjetiva del temperamento o un acto de abstracción idealizador. Por todo ello, desde siempre se ha puesto en duda que pueda existir un ‘arte’ naturalista. (STELZER, 1981, p. 16)

Antes de esse naturalismo ter sido materializado pela fotografia – considerada num primeiro momento a mais mimética das artes –, perpassando, efetivamente, a imaginação daqueles teóricos, e concretizando-se por meio da τέχυη non manufacta, a própria fotografia vivia embrionária no Renascimento. Dessa forma, quando a fotografia se materializa, cinco séculos de busca pela perfeição estética concretizaram-se e a própria fotografia recebe como herança grande parte do universo virtual criado pela própria Renascença (Cf.: GRIECO, 2006, p. 105). A partir de então, a arte pictórica estaria liberada para trilhar outros caminhos, como a quebra do perspectivismo, do realismo, da linearidade da luz. Em suma, a fotografia

libertou as artes plásticas de sua obsessão por semelhança. Pois a pintura esforçava-se, no fundo em vão, em nos iludir, e essa ilusão bastava à arte (...) [agora] a fotografia e o cinema (...) satisfazem definitivamente e em sua própria essência a obsessão do realismo. (Bazin, apud Dubois, 2006, p. 31)


Falar em fotografia é pensar em luz, por isso é necessário não só conhecer algumas de suas propriedades físicas − propagação, reflexão, refração e absorção −, como também certas propriedades ópticas, além do emprego da câmara escura para, a partir desses elementos, ser possível vislumbrar o avanço tecnológico que culminou com a fotografia analógica e digital .

A luz é uma forma de energia eletromagnética radiante e pode ser transmitida de duas formas: ou em linha reta − como o laser − ou de forma ondulatória − quando há um simples transporte de energia, não de matéria, já que para sua transmissão não é necessário um meio material para seu deslocamento. Assim, se a luz solar incide sobre um determinado corpo, dependendo do comprimento de sua onda, pode ser que algumas ondas sejam absorvidas, refratadas e refletidas (fig. 4), principalmente se essa superfície for lisa como o vidro ou a água.
É-nos importante tal abordagem, não só para compreendermos a logicidade da luz e sua captação pelo processo fotográfico, como também para apropriarmo-nos desses conceitos físicos – refração e reflexão –, seguindo o conceito do linguista russo Valentin N. Volochinov (1895-1936). Para este, a realidade material da ideologia são os signos que constituem a base de todo sistema de representação, porém

essa “representação” das coisas se dá de forma dupla e contraditória: os signos, ao mesmo tempo, refletem e refratam a realidade visada pela representação.(...) Resulta daí que o fenômeno da refração nos impede de obter uma reprodução “fiel” dos sinais luminosos, já que ele os “deforma” ou os “transfigura” de acordo com a natureza do material cristalino interposto em seu percurso. (...) Mas por que o signo modifica? Exatamente porque ele não é uma entidade autônoma, que “aponta para”, ou “representa” os fenômenos do mundo com inocência, sem quaisquer mediações. (MACHADO, 1984, pp. 20-21)




A concretude sígnica se dá por meio de alguém e de instrumentos que se interpõem entre a realidade representada e o signo que quer ser sua representação, além dos sinais externos e concretos dessa representação, como o próprio λόγος (lógos):

a palavra é o único signo que pode ser exteriorizado por qualquer indivíduo que tenha pulmões e cordas vocais, já que a produção dos demais sistemas de signos pressupõe a propriedade privada dos meios de produção (as tintas, o pincel, o instrumento musical, a câmera fotográfica, os aparelhos de gravação e toda a demais parafernália mecânico/eletrônica da ideologia industrializada) e a aquisição nem sempre democrática de know-how para operar instrumentos e códigos. (ibidem, pp. 25-26)

Esses signos, porém, ao mediarem o mundo e o λόγος, por exemplo, acabam refratando-se: querem dizer sem, contudo, ser possível fazê-lo plenamentejá que se desviam da linha reta especular que as unia, tornado sua resolução distinta da que se propunha. Algo semelhante a essa situação ocorre, quando tentamos expor nossas sensações – aquelas apreendidas ao nos deparar com situações que fujam de nosso controle –, diante de uma paisagem, diante de algo que consideremos injustiça – a imagem de pessoas famélicas, o sofrimento de uma criança ou de um idoso que chora –, enfim descrever nossas emoções, aquilo que sentimos por algo ou por alguém, mas não conseguimos.
O próprio tempo nos demonstra isso, pois quando determinado signo se perde em seus meandros e tentamos utilizá-lo de modo anacrônico, verifica-se que seu conceito proposto originalmente se refrata, levando-nos a ver aquilo que, efetivamente, não corresponde à representação pretendida: aquilo que visualizamos não é sua totalidade sígnica, mas um desvio, uma refração involuntária, visto que essa não depende de nós para se concretizar.
Se é possível apropriar-nos dos termos refletir e refratar para descrever esses fenômenos linguísticos devido à dinamicidade da linguagem verbal humana, valendo-nos da conceitualização da física, o mesmo se torna inequívoco em relação à fotografia, uma vez que a câmera reflete (por meio de seu pseudoespelho que é a película) e refrata (por meio das objetivas que reorientam o sentido da informação luminosa) o mundo (Cf. Ibidem, p. 26), a partir da propagação retilínea da luz.
É exatamente pelo fato de ser retilínea que se opera a inversão imagética dentro da câmara escura : os raios luminosos, ao penetrarem pelo orifício da câmara, fazem-no em linha reta, por isso a imagem surgida em seu interior fica invertida no anteparo.
Leonardo da Vinci maravilhava-se com a câmara escura a ponto de se perguntar: Que língua poderia explicar tamanha maravilha? Com essa pergunta quase ontológica, da Vinci revela sua opção pelo olhar, pelas artes visuais, pictóricas, em detrimento da arte literária e procura inverter a hierarquia tradicional que estabelecia a precedência da poesia sobre a pintura, argumentando que há, na pintura, uma maior imediaticidade e força dos ‘signos’. (LESSING, 1998, p.12)
Da Vinci considerava a visão, a virtù visiva, o sentido mais nobre, muito acima dos outros, dessa forma a pintura serviria muito mais à μίμησις (mímesis) que a poesia, já que aquela é muito mais próxima da realidade do que esta: a pintura não necessita de interpretação, é direta, objetiva, universal; as palavras, pelo contrário, estão divididas em línguas diferentes, logo necessitam de tradução de uma para outra, não sendo, portanto, universais . Para da Vinci, as palavras podem levar-nos à imaginação, mas esta logo se perde, ao ser substituída por outra; diferente de uma tela, cuja imagem permanece.
A partir dessas considerações, podemos entender seu deslumbramento diante da câmara escura e da grande possibilidade que essa abriria para as artes miméticas, principalmente no auxílio ao desenho e à pintura. Entretanto, ainda seriam necessários alguns aperfeiçoamentos para orientar a passagem dos raios de luz pelo orifício da câmara escura, obtendo-se, dessa maneira, maior nitidez .
Em 1550, Girolamo Cardano (1501-1576) publicou De Subtilitate, em que faz uma descrição da câmara escura bastante conhecida:

Willst du sehen, was auf der Straβe vor sich geht, so muβt du bei hellem Sonnenlicht die Läden deines Fensters schlieβen nachdem du in die Läden eine Linse aus Glas eingesetzt hast. Die durch die Öffnung geworfenen Bilder erscheinen dann auf der gegenüberliegenden Wand, doch sind ihre Farben schwach... (SCHREIBER, 1969, p. 24)
[Tradução livre: Tradução livre: Se tu queres ver o que está ocorrendo na rua, então precisas fechar as venezianas de tua janela num dia de sol claro, depois disso colocas uma lente de vidro nas venezianas. As imagens que são projetadas através do orifício aparecerão na parede oposta, apesar de suas cores serem fracas...]

Cardano teve um papel importante no aprimoramento na câmera escura ao sugerir a utilização de uma lente junto a seu orifício, o que permitiu aumentar sua aplicação; obtinha-se, dessa forma, uma imagem mais clara e nítida. Assim, com a utilização de uma lente biconvexa, seria possível aproveitar ao máximo a luz; e o foco, obtido pela refração dos raios de luz através da lente, convergido para formar uma imagem clara e nítida .
Havia ainda um outro problema surgido para a efetiva utilização da câmara escura pelos artistas: como manter a regularidade do foco? A resposta foi dada por Daniello Barbaro (1514-1570) em seu livro La pratica della prospettiva, de 1568, quando menciona que com a variação do diâmetro do orifício seria possível melhorar a nitidez da imagem.

Wenn ihr sehen wollt, wie die Natur die Gegenstände abbildet, nicht nur den Umriβ des Ganzen und seiner Teile, sondern auch in Farbe, Schatten und Ähnlichkeit, so müβt ihr ein Loch in einen Fensterladen des Raumes machen, in dem ihr beobachten wollt. Das Loch hat die Gröβe eines Brillenglases, das von der Art sein muβ, wie es ein alter Mann braucht, also bikonvex, nicht konkav wie die Gläser der Kurzsichtigen. Das Glas wird in dem Loch befestigt. Alle Fenster und Türen werden geschlossen, damit das Licht nur durch die Lochöffnung einfallen kann, dann hält man gegenüber der Linse, in einem ganz bestimmten Abstand, ein Blatt Papier und sieht so alles scharf abgebildet, was sich auf der Straβe abspielt. Auf dem Blatt werdet ihr dann die Formen sehen, wie sie sind, die Abstufungen der Schatten und Farben, die Bewegungen, die Wolken und die Wellen des Wassers, die fliegenden Vögel und alles das, wenn die Sonne hell und schön scheint, weil im Sonnen Licht die Bilder am deutlichsten werden. Für diesen Versuch sollte man nur die besten Gläser verwenden. Auch muβ das Linsenglas so weit abgedeckt werden, daβ nur eine kleine Öffnung in der Mitte frei bleibt, dann wird das erhaltene Bild noch getreuer mit der Wirklichkeit übereinstimmen. (ibidem, p. 25)

Vemos assim surgir um sistema que, ao aumentar ou diminuir o orifício, tornaria possível uma melhor focalização do objeto que se queria reproduzir. Quanto mais fechado o orifício, maior seria a possibilidade de focalizar dois objetos diferentes pela lente: surge o diafragma (διάφραγμα – barreira).
A partir de então, os avanços da câmara escura não pararam mais: 1573 − o astrônomo e matemático italiano Egnatio Danti sugere a utilização de um espelho côncavo para reinverter a imagem da câmara escura em sua obra La perspecttiva di Euclide; 1580 – o alemão Friedrich Reiner descreve uma câmara escura portátil, apesar de seu livro Optics somente ter sido publicado após sua morte, em 1606; 1620 – o astrônomo alemão Johann Kepler utiliza uma câmara escura em forma de tenda, em que havia uma lente e um espelho que direcionava a imagem para um tabuleiro, a fim de que o mesmo fizesse desenhos topográficos durante uma viagem à Alta Áustria; 1636 − o professor de matemática Daniel Schwenter descreve em seu livro Deliciae physico-mathematicae um sistema de lentes que combinavam três distâncias focais diferentes; 1646 − o padre alemão Athanasius Kircher descreve em sua obra Ars Magna lucis et umbrae uma câmara escura em forma de liteira; 1665 − o italiano Antonio Canaletto utiliza um sistema de lentes intercambiáveis em sua câmara escura como meio auxiliar para a realização de desenhos panorâmicos; 1676 – o professor de matemática Johann Christoph Sturm ilustra em sua obra Collegium Experimentale sive curiosum uma câmara escura cujo espelho interno inclinado a 45º refletia luz vinda da lente para um pergaminho azeitado colocado horizontalmente; além disso, havia uma carapuça preta que funcionava como para-sol, melhorando a qualidade da visualização da imagem; 1685 – o monge alemão Johann Zahn ilustrou em sua obra Oculis Artificialis teledioptricus vários tipos de câmaras portáteis como o tipo reflex, com 23 cm de altura e 60 cm de largura. Assim, a câmara escura chegou à perfeição, já que o sistema de Zahn já era muito parecida com a das câmaras fotográficas atuais: a luz, depois de atravessar a lente, refletia-se em um espelho plano e a imagem se formava sobre um vidro polido.
À medida que novos avanços se agregavam à câmara escura, a arte também já não seria mais a mesma, e o mesmo se pode dizer de nosso olhar em relação ao mundo que nos cerca:

Beginning in the late 1500s the figure of the camera obscura begins to assume a preeminent importance in delimiting and defining the relations between observer and world. Within several decades the camera obscura is no longer one of many instruments or visual options but instead the compulsory site from which vision can be conceived or represented. Above all it indicates the appearance of a new model of subjectivity, the hegemony of a new subject-effect. First of all the camera obscura performs an operation of individuation; that is, it necessary defines an observer as isolated, enclosed, and autonomous within its dark confines. (CRARY, 1992, pp. 38-39)

Assim, devido às novas técnicas alcançadas dentro do ambiente da física e de condições satisfatórias para controlar a imagem obtida pela câmara escura – a escolha de lentes, a abertura do diafragma, e a facilidade proporcionada pelas câmaras portáteis –, houve uma generalização de sua utilização, de modo especial, pelos artistas, já que desde os séculos XVIII e XIX desenvolvera-se toda uma indústria de instrumentos auxiliares para essa finalidade.
Poderíamos, inclusive, dizer que, diante dessa possibilidade mimética proporcionada pela câmara escura, para muitos artistas no século XIX, (assim como para o público em geral), o ideal em arte traduzia-se em uma reprodução não fictícia, mas em uma puramente naturalista, fiel à natureza. Pouco antes do advento da fotografia encontramos quadros que já oferecem a impressão de serem verdadeiras fotografias em preto e branco. (Cf.: STELZER, 1981, pp. 18-19)

Não obstante, os influxos da τέχυη e o fato de a imagem sempre estar condicionada historicamente, mesmo que sob uma ótica racional e cientificista, ela ainda se apoiaria, durante anos, no real, no palpável, cuja busca ainda seria a contiguidade; mesmo e apesar de que ainda estivéssemos condicionados a vê-la partir do olho de um indivíduo como lá no princípio, na formação incipiente do λόγος humano, quando se

buscava a objetividade, porém de uma forma subjetiva, pois tudo não passava de uma retratação daquilo que os olhos de um determinado “escriba” viam; logo, era uma forma particular de visão transmitida a um outro e desse a todo um conjunto de indivíduos de um mesmo segmento social. (BRANDÃO, 2003, p. 8)

Mesmo quando o Cubismo quebra o perspectivismo albertiano, ainda assim havia algo no mundo a ser retratado; assistiríamos a inúmeras outras correntes vanguardistas com suas novas especulações em torno da arte, da imagem, mas mesmo assim veríamos o continuísmo da aderência ao real, pouco importa que houvesse estilização, abstração: querem estilizar dados de um mundo palpável, querem abstrair elementos de um mundo real, possível, mesmo que onírico. No entanto, o futuro nos proporcionou mais do que uma nova maneira de ver as coisas, uma nova representação: a simulação.

Pode-se estabelecer uma confluência entre a revolução cibernética , pela qual estamos passando, e a do Renascimento, vetor básico para o olhar ocidental durante séculos: a matemática. Como visto, uma das principais diferenças entre a arte renascentista e a medieval foi a representação de cenas tridimensionais na tela e, para que isso fosse possível, foi necessário o domínio das leis geométricas de representação visual.
Já a baliza de nossa revolução principia ainda no século XIX, quando George Boole (1815-1864) fundamenta a lógica binária , demonstrando que os processos de raciocínio do cotidiano podem ser representados em termos de lógica formal e em termos matemáticos. Esses são, grosso modo, o princípio do processo digital, quando tudo o que está a nosso redor é reduzido a dois dígitos: 0 e 1. Eis que regressamos ao mundo da ratio, mas agora de forma mais impessoal do que nunca, pois já não somos mais intermediados pelo humano, mas pelo não humano.
Ambos andam lado a lado, confundindo-nos continuamente, pois já não sabemos o que é ou parece ser: se já vivíamos inseridos num mar de imagens em sua forma analógica e seu caráter mecânico, ainda mais agora devido ao processo digital.
Isso, evidentemente, trouxe suas implicações: mesmo na concretude espacial trazida pelo Renascimento, sua individualidade e perspectiva egoísta e unilocular, havia o contato físico, o tete à tete, mesmo que o gênio ficasse em sua redoma escura em busca da perfeição estética; agora, o que vemos é a certeza total da ubiquidade (não era somente Deus que era ubíquo?): podemos estar em todos os lugares, mas não estamos em lugar nenhum! Esvaímo-nos num eterno continuum de zeros e uns, para os quais não há individualidade, diferença, prazer e originalidade estéticos: o dígito binário não distingue uma foto artística da trivial, um quadro de da Vinci ou os rabiscos de uma criança, muito menos Bach de uma banda adolescente... é esse esvair-se que rompe a magia da fotografia, pois de sagrada passa a ser profana; de esperada, aguardada com ansiedade anterrevelação, é vista na hora, apagada, refeita, retocada via softwares de manipulação de imagens acessíveis a todos. Vemos, portanto, a banalização total: rompe-se, quase que por completo, a contiguidade, o índice:

a imagem que aparece sobre a tela não possui mais, tecnicamente, nenhuma relação direta com qualquer realidade preexistente. Mesmo quando se trata de uma imagem ou objeto numerizado, pois a numerização rompe esta ligação – esta espécie de cordão umbilical – entre a imagem e o real. São números e somente números expressos sob a forma binária na memória e nos circuitos do computador que preexistem a esta imagem e a engendram, entre o real e a simulação se interpõe uma operação computacional e algorítmica. A imagem numérica não é mais o registro de um traço deixado por um objeto preexistente pertencente ao mundo real (...); ela é o resultado de um processo em que a luz é substituída pelo cálculo, a matéria e a energia pelo tratamento da informação. Enquanto as imagens fundadas sobre a representação são testemunhos de uma forte aderência ao real, indissociáveis de uma realidade preexistente no espaço e no tempo, tanto quanto de uma vontade obsessional de escapar à sua atração, a relação da imagem numérica ao real obedece a uma outra lógica. (Couchot, op. cit. pp. 163-164)

Ao perder sua condição indicial, é como se a fotografia digital deixasse de existir enquanto objeto/espelho do real e passasse a representar um outro mundo. A própria visão também deixa de transmitir a certeza: que é real (diríamos, indicial, calcado na certeza de um referente contíguo)? Que é irreal (criação virtual, sem indicialidade)? Poderíamos dizer que a fotografia digital representa um novo Cubismo, pois também passa a construir imagens do mundo, não simplesmente representá-lo nem reproduzi-lo.

Assim, da mesma forma que a quebra definitiva da coerência no espaço figurativo, proporcionada com o advento do Cubismo, representou o rompimento total com o modelo albertiano (e com a imagem mimética aristotélica); algo parecido se deu com o surgimento da fotografia digital em relação à analógica, já que o surgimento daquela representou o rompimento com a ideia de verdade contida nesta. Se de uma lado a arte pictórica não seria mais a mesma a partir da revolução cubista, abrindo a pintura a várias possibilidades; de outro, nossa relação com as imagens fotográficas a partir da era digital (e todas as possibilidades que ela abre) também mudaria: passamos, efetivamente, a questionar a fotografia, a vê-la com outros olhos, não mais com os da verdade, mas com os da possibilidade; aprendemos a manipulá-la, a utilizá-la a nosso bel prazer; por fim, a imagem tornou-se acessível a todos de forma efetiva. Vemo-nos, portanto, diante de mais uma revolução imagética, de um novo Renascimento, afinal o futuro chegou.

(Quer saber mais sobre esse assunto? Acesse: http://www.jackbran.pro.br/iconofotologia/iconofotologia_entrada.htm)

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O GÊNERO EMBLEMÁTICO

Antônio Jackson de Souza Brandão

RESUMO – Neste artigo apresentaremos o gênero emblemático, criação do italiano Andrea Alciati no século XVI (1531), que domina a sociedade europeia até o século XVIII, mas desaparece no século XIX. Mostraremos também a dificuldade e a possibilidade de ler hoje, no século XXI, textos, imagens e emblemas do século XVII sem se possuir todo o referencial daquele momento.

PALAVRAS-CHAVE – Emblema, Barroco, Horapolo, imagem, iconologia

ABSTRACT – In this article we will present the emblematic genre, creation of the Italian Andrea Alciati in 16th century (1531) that dominates the European society until the 18th, but disappears in 19th century. We will also show the difficulty and the possibility of reading today, in 21th century, texts, images and emblems of 17th century without having all the referential of that moment.

KEYWORDS – Emblem, Baroque, Horapolo, image, iconology

INTRODUÇÃO

Falar de emblema em uma sociedade como a nossa em que o capital atingiu seu apogeu não deveria resultar em grande dificuldade, afinal estamos cercados de emblemas por todos os lados, simplesmente demos a eles outros nomes: marca, logotipo, logomarca...
Só para exemplificar, algumas marcas possuem, sozinhas, valores astronômicos como as do Google (US$ 100 bi), da Microsoft (US$ 76,2 bi), ou da Coca Cola (US$ 67,6 bi). Isso só vem a corroborar que a linguagem publicitária leva o consumidor não só a convencer-se da importância de determinados produtos, como também tem o poder de transformá-los em verdadeiros mitos, como um novo είδωλου (ídolo) a que se deve prestar culto.



No entanto, a importância do poder imagético utilizado pela propaganda não é, seguramente, fruto de nossa sociedade, apesar de o campo de sua abrangência parecer-nos recente. Há vários exemplos retirados da Antiguidade para demonstrar isso, basta-nos citar alguns: Alexandre Magno, para se fazer presente em todo seu vasto Império, fez com que se espalhassem estátuas (imagens) suas por todo seu domínio: a corporificação de sua ausência, nem por isso elas eram menos respeitadas; tática semelhante fora utilizada por Otávio Augusto (fig. 1) para impor seu poder de forma branda, unificando o Império Romano sob ele, seu imperador; que eram as grandes pirâmides, senão a demonstração imagética do poder – logo, de propaganda –, que seus futuros moradores, os faraós, teriam tido em vida?
No entanto, poderíamos afirmar que o poder imagético exercido pelas pirâmides e pelos colossais palácios egípcios, durante séculos, não instigaram tanto o Ocidente, pelo menos nos séculos XVI e XVII, como sua forma de escrita, os hieróglifos. Estes fascinaram sobremaneira

os humanistas, como já havia acontecido com os gregos que, ao se depararem com tais ideogramas, os consideravam herméticos, inseridos num campo da especulação cosmogônica e da filosofia natural ou mesmo com significados psíquico-alegóricos, não os vendo como uma simples forma de linguagem que também poderia ser utilizada para e pelos sacerdotes. (BRANDÃO, 2003, p. 49)

O filósofo grego Plotino chegou a afirmar que os egípcios não precisavam utilizar de argumentos discursivos, pois haviam descoberto uma forma de sintetizar as ideias por meio das imagens. Seguindo uma linha semelhante, vários teóricos, filósofos e pesquisadores a partir do Cinquecento e do Barroco ignoraram o fato de os hieróglifos também possuírem valor fonético, preferindo acreditar (evidentemente, diante das informações de que dispunham) que os mesmos possuíssem somente valor simbólico, cuja significação imagética obscura não estaria aberta a todos, logo seria necessário ter acesso a uma chave sígnica para saber o que eles queriam transmitir. Dessa forma,

Para muitos teóricos do Humanismo, a tradição grega e a hebraico-cristã nos remete ao Egito, já que Platão, Pitágoras e Moisés aprenderam com ela; mesmo Jesus, segundo Pico della Mirandola, ocultara seu conhecimento em torno da verdade, como os egípcios e outros povos. Tal consideração estendeu-se a toda cultura e pensamento ocidentais, por isso a obra de Horapolo, Hieroglyphica, desfrutou de grande prestígio no período − tornando-se, portanto, obrigatória a todos que quisessem utilizar-se dos hieróglifos −, pois, cria-se, era o único testemunho herdado daquele momento que visava à análise e ao comentário de sua simbologia (...). (ibidem, p. 49)

Afinal o que podiam aqueles homens, com sede de conhecimento, enxergar na escritura egípcia, cuja civilização lhes maravilhava, senão algo a mais do que meros desenhos, mas verdades escondidas sob seu velame imagético? Por isso, uma das chaves sígnicas para se compreender um período artístico como o Seiscentismo é, justamente, compreender o deslumbramento propiciado por Horapolo, provável grego (ou egípcio) que, no século IV, teria decifrado os enigmas contidos nos hieróglifos, revelando seus mistérios.
Ao ser descoberto pelos humanistas italianos, a obra serviu de inspiração para a criação do gênero emblemático. No entanto, da mesma maneira que a Hieroglyphica foi o prenúncio desse gênero, a própria obra levou-o ao descrédito já no século XVIII, diante do crivo racionalista do Século das Luzes; pois, segundo seus teóricos, a mesma não acrescentava nada ao campo da filologia, mas ao do fantástico. Já não era mais possível, à realidade daquele século, aceitar os comentários e a manipulação do conteúdo semântico dos hieróglifos egípcios – como ocorrera com Horapolo e sua obra –, pois os mesmos seriam, a posteriori, desmistificados por Champollion.
Há um artigo em que Gonzáles de Zárate aborda essa mudança de maneira clara:

La mentalidad ilustrada del siglo XVIII comenzó a cuestionar estos importantes códigos de información para artistas e intelectuales, comprendió que el fundamento del Emblema era netamente fantástico por cuanto partía de premisas falsas apuntadas por Horapollo, figura enigmática que compuso la Hieroglyphica hacia el siglo IV, obra que llegaría a Florencia en el XV y que estimuló las mentes más preclaras del Humanismo dando origen a esta literatura que hemos llamado Emblemática. Tal y como nos cuenta Chastel y refrenda Wittkower, los eruditos del XVI entendieron que el sabio egipcio había conseguido descifrar la sabiduría de los pueblos del Nilo que de forma oculta había quedado reflejada en un lenguaje visual o escritura jeroglífica. Los estudios de Champollión derrumbaron tales premisas y pusieron de relieve que el Horapollo tan sólo sirvió para excitar la fantasía poética de sus seguidores (…). (GONZÁLES DE ZÁRATE, 1999, pp. 256-257)

Não obstante o fato de as explicações contidas na obra Hieroglyphica terem sido ou não falsas, essas tiveram participação significativa na constituição do gênero emblemático (Cf.: PRAZ, 1989, p. 24) e no repertório imagético do período, cujo início remonta aos Quinhentos e seu ápice nos Seiscentos.



Podemos exemplificar a obra de Horapolo a partir da figura 2, onde vemos a representação de um falcão que olha em direção do sol e que, segundo seu autor, representaria Deus, excelência, sangue, vitória para os egípcios:

Mediante el jeroglífico del halcón mirando hacia al sol, Horapolo nos propone este animal como imagen de la divinidad, la dignidad y la excelencia y de la victoria. (…)
La relación con la divinidad queda manifiesta por ser el único animal, a juicio del autor, que puede volar mirando al sol, y el astro, como es sabido y hemos dicho en otra parte, era para los egipcios y también para los platónicos, imagen de la divinidad.
(HORAPOLO, 1991, p. 83)

Apesar do modismo advindo com a obra de Horapolo e sua influência no incipiente gênero, pode-se dizer que a concepção de uma onda emblemática fosse anterior a ela, afinal já permeava a mentalidade iconográfica dos primeiros cristãos, ou mesmo a do homem medieval com seus bestiários, lapidários e alegorias.

ORIGENS

A palavra emblema vem do grego e pode significar a parte da lança onde se encravava o ferro; algo embutido; ou mosaico. E é, exatamente, isso que temos diante de nós: um amalgamento iconológico que, à semelhança do mosaico, não pode ser visto num relance como uma mensagem que se abre e é logo descartada – como as imagens de nossa contemporaneidade, as quais não passam de um embrulho que, ao ser rasgado, é posto fora e de que ninguém se lembrará –, senão a imagem desprender-se-ia de seu invólucro e se tornaria um borrão disforme, perdendo sua significação. Para isso, tem de ser lida e relida, degustada, apreciada, para assim – por meio do engenho – ser decodificada e dar prazer. Além disso, traz sempre embutida mais do que uma imagem cercada de palavras que tentam se explicar mutuamente: cada emblema propunha levar seu leitor a mudanças comportamentais devido a seus preceitos morais.
O gênero emblemático teve, como marco inicial, a publicação da obra Emblematum liber, em 1531, pelo humanista italiano Andrea Alciati que, ao praticar um exercício próprio do momento – tradução e imitação –, compôs uma antologia com 99 epigramas latinos, cuja inspiração fora o livro de Horapolo. Ao ser publicado, acrescentaram-se ilustrações para melhor explicar o conteúdo dos epigramas e sua repercussão fora enorme, como demonstraram não só suas várias reedições (mais de 150), como também as constantes imitações por outros autores. Vale salientar, no entanto, que, apesar da aparente novidade, uma literatura semelhante à emblemática já era muito popular na França, no final da Idade Média, quando motes (divisas) eram, frequentemente, explicados por alegorias.
A moda de se empregar imagens para explicar epigramas propaga-se, rapidamente, na Itália, e foi decisiva para o desenvolvimento do gênero emblemático − com suas diferentes modalidades: emblema, empresa e divisa. Convém, no entanto, ressaltar algumas características que diferenciam o emblema da empresa, devido às confusões que podem despertar. Enquanto em um mesmo emblema admitem-se várias imagens – figuras históricas ou fabulosas, materiais ou artificiosas, verdadeiras ou quiméricas – inclusive a representação do corpo humano; na empresa ou na divisa, tal excesso não é admitido, pois é composta por um número reduzido de imagens, além de não admitir a representação total do corpo humano, havendo só a possibilidade de se representarem membros isolados: pernas, braços, troncos, mãos, pés. A intencionalidade do emblema é de caráter geral, relaciona-se à vida humana como um todo, não vela o que quer dizer: o emblema é direto, claro, nunca encobre o que declara; a empresa possui um emprego particular, sutil, engenhoso, por isso mais é enigmática. Vê-se, a partir de suas diferenças, que cada uma dessas modalidades destinava-se a diferentes leitores, apesar de, só na aparência, possuírem uma mesma constituição iconológica.
Seu êxito consistia em um casamento perfeito para as aspirações de grupos intelectuais do período, já que, naquele momento, se buscava uma linguagem universal e, acreditava-se que, a melhor forma para isso seriam as imagens. Estas teriam um grande poder comunicativo por serem acessíveis a todos, trilhando o caminho dos hieróglifos egípcios . Dessa forma, e munidos com essa nova possibilidade de comunicação, transmitir-se-iam regras de conduta para todos os seres humanos.
Evidentemente, um fator primordial para o sucesso do gênero deveu-se ao aprimoramento da imprensa, que não só propiciou sua rápida difusão, como também estendeu o mote emblemático para outros âmbitos, além daqueles restritos a preceitos morais ou meramente didáticos. Os emblemas espalharam-se e adentraram a campos temáticos diversos – apesar de, muitas vezes confluentes – fossem referentes ao amor, à flora, à fauna, à mitologia ou à religião. E, apesar de extremamente imagético, o gênero tampouco se restringiu ao círculo católico, como demonstram os inúmeros livros de emblemas protestantes . Outro aspecto que vale salientar em relação a esses gênero é o fato de o mesmo não ter se restringido ao veículo livro, já que grandes obras pictóricas emblemáticas foram utilizadas em cortejos reais, em exéquias, em festas de cunho religioso ou popular, mas que, infelizmente, se perderam por não terem sido registradas.

ESTRUTURA E LEITURA DE EMBLEMAS

Poderíamos perguntar-nos como seria possível a compreensão de um gênero que surge no século XVI, tem seu apogeu no XVII (no período barroco), mas que, praticamente, desaparece no XVIII, e torna-se desconhecido no XIX – com o advento de uma nova ordem social e econômica. Para isso, deve-se buscar resgatar a primitiva relação imagem-palavra que aqueles homens possuíam: a imagem destinar-se-ia à leitura; o poema, à contemplação visual.
Aquele era o momento das metáforas ilustradas, cuja função didática e moralizante, visava a fornecer princípios e modelos comportamentais, além disso inúmeras alegorias não passavam de lugares-comuns, presentes em iconologias e, de forma maciça, na Bíblia; assim, fazia-se mister seu conhecimento, sem o qual seria impossível a inserção e mesmo a permanência nas fechadas sociedades aristocráticas dos séculos XVI e XVII.
Os emblemas possuíam uma estrutura tripartite constituída por:
a) uma imagem – esta deveria ser fixada na memória dos leitores e passar-lhes-ia preceitos morais: era seu corpo;
b) um mote, a inscriptio − normalmente uma sentença aguda escrita em latim: direcionava o leitor a uma determinada leitura da imagem;
c) um epigrama (ou texto explicativo) − buscava relacionar o corpo com o mote do emblema, clarificando a relação existente: era sua alma.




Sendo um meio multisígnico, um emblema busca em sua hermenêutica muito mais do que a interpretação de sua alma, já que retoma sua vocação ao alegórico, ao filosófico, à particularização de uma Weltanschauung, além de prévios conhecimentos/conceitos teológicos, retóricos, pedagógicos, históricos e estéticos (dentro de nossa acepção hodierna, evidente), sem os quais se torna quase impossível abarcar toda sua carga sígnica: deve-se ter em mente que muitos poetas e teóricos do século XVII eram polímatas – com seu conhecimento multifacetado, afinal ainda não havia a idéia de especialização.
Evidentemente que, além desses elementos dificultadores, há outros fatores que complicam a plena compreensão dessas imagens textuais por uma pessoa do século XXI, como o próprio anacronismo, além do idioma normalmente empregado em sua alma, o latim (apesar de também poder ser empregado a língua vernácula do autor, ou ainda vários idiomas concomitantes).

Para lermos um emblema com sua multissignificação, faz-se necessário lê-lo como a um mosaico, cujas partes auxiliam para a compreensão do todo: as palavras como pequenas pedras vão aclarando os conceitos presentes na imagem que, apesar de, muitas vezes, ser clara, é obscura. Corpo e alma se completam, à medida que vamos relacionando-os, e a imagem conceitual torna-se presente.
Ao lermos o emblema do padre jesuíta Hermann Hugo (1588-1629), nosso exemplo da figura 3, é possível vermos a imagem de uma pessoa dentro de um esqueleto e este parece estar descansando, ou inquirindo-nos acerca de algo; logo abaixo do corpo do emblema, vemos a seguinte inscriptio, em latim, que dirigirá nossa leitura: Infelix ego homo, quis me liberabit de corpore mortis huius?, retirada da Carta de São Paulo aos Romanos: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?” (Rm 7, 24)
A partir daí, podemos dar início a nossa leitura logo-imagética. Primeiramente, podemos inferir que a pessoa dentro do esqueleto está clamando para sair de lá por algum motivo: talvez por medo ou pavor, por estar presa e não ter como sair, ou mesmo por estar dentro de um esqueleto, símbolo-representação da morte! Mas, quem a pôs lá dentro?



Ao lermos o capítulo em que o versículo está inserido, vemos São Paulo exortando a comunidade de Roma a compreender que a antiga Lei – a Lei de Moisés, cujos preceitos religiosos pertenciam ao povo hebreu – era justa, quando, por exemplo, o fez compreender (via consciência) o conceito de pecado e de suas implicações. No entanto, ao ter consciência do mesmo, não só não conseguiu abandoná-lo, como se torna escravo dele “porque o pecado aproveitou a ocasião do mandamento, me seduziu e, através dele, me matou”. (Rm 7, 11)
O apóstolo continua sua epístola, dizendo que aquilo que era para ser bom para ele – a consciência do mal, do pecado –, simplemente se transformou em morte, visto que seu resultado foi contrário. No entanto, ele frisa, tal fato não foi devido à Lei, mas ao pecado que reside nele mesmo:

Foi o pecado que fez isso. Pois o pecado, através do que é bom produziu em mim a morte, a fim de que o pecado por meio do mandamento aparecesse em toda a sua gravidade. (Rm 7, 13b)

Vê-se, à continuação, que São Paulo – diríamos num jogo conceptista – apresenta esse pecado interno como algo que vem do egoísmo humano e, portanto, deve ser extirpado dele, mas isso somente foi possível quando o λόγος (lógos) divino se encarna e, ao assumir a própria condição humana, arranca de seu interior o egoísmo por meio de sua morte e ressurreição. Essa seria a diferença entre os que acreditam na Lei e aqueles que acreditam em Jesus Cristo. São Paulo, portanto, em seu jogo dialético, mostra a seus destinatários quem é que pode libertá-los da morte interior – do egoísmo –, ou seja, um corpo estranho dentro de outro, mas que, no fundo, é o próprio íntimo da pessoa.
A alma do emblema vai levando-nos a tentar compreender por que a pessoa clama, já que está de mãos postas em sinal de prece e de clemência. Há várias citações retiradas do Livro dos Salmos como os capítulos 38, 102 e o 118, além do livro de Jó, que vão abordar esse assunto, sendo inclusive citadas ao longo do texto da alma do emblema.
O eu lírico do Salmo 38, por exemplo, clama a Javé que não lance sobre ele a fúria de sua justiça devido a seus pecados, já que além dos sofrimentos que pesam sobre ele externamente, há também aqueles que lhe pesam em sua cabeça. Provavelmente, demonstra estar com uma grave doença como a hanseníase – sinal externo de pecado para os hebreus, sujeito ao isolamento do meio comunitário –, por isso é perseguido e apontado pelos outros: ele torna-se, portanto, sua própria prisão, devendo abandonar tudo, é um impuro. Entretanto, apesar de declarar-se culpado (Sl 38, 19), afirma que não são justas as acusações de seus detratores (Sl 38, 20-21); suplicando por socorro, pede que Javé abrande seu sofrimento: “Vem socorrer-me depressa, meu Senhor, minha salvação!” (Sl 38, 23)
O livro de Jó vem completar a idéia do salmista, pois em seu sofrimento sente-se sufocado por dores, pede antes a morte do que a permanência de tal situação. Se ele pecou, por que Javé não lhe mostra, não lhe perdoa? Por que fazer tanta conta do que ele é e faz?

O que é o homem, para fazerdes tanto caso dele, para fixares tua atenção sobre ele, a ponto de examiná-lo a cada manhã e testá-lo a cada momento? Por que não paras de me espionar, deixando-me ao menos engolir saliva? (Jó 7, 17-19)

Ao lermos, rapidamente, alguns detalhes da imagem, poderemos verificar que aquilo que ela nos transmite lembra o que já fora dito na alma do emblema, já que os textos falam de morte e temos sua representação na figura do esqueleto. Mas, além dessa imagem lúgubre, vemos a de uma menina (ela está de vestido) que está inserida dentro do esqueleto, cujas costelas servem de grades para mantê-la presa. É possível verificar também que ela dirige seu olhar aos céus, suplicando para sair daquele corpo de morte – que sequer é um corpo – que a mantém prisioneira; está de mãos postas, segurando o esterno tétrico de sua prisão da mesma maneira como o prisioneiro segura nas grades da prisão que o mantém cativo... Chama-nos a atenção a posição adotada pelo esqueleto: sentado, pernas cruzadas, mão esquerda segurando a cabeça que está um pouco abaixada, a outra espalmada para frente; e tudo isso, em um ambiente inóspito.
Apesar de sua prisão, a menina não demonstra desespero como poderíamos supor num primeiro momento; pelo contrário, seu rosto demonstra-nos a serenidade de quem confia e crê em uma força maior do que ela.
Seus olhos, dirigindo-se ao céu, pertencem à representação alegórica da oração, segundo a Iconologia de Cesare Ripa (1555-1622) :

Se pinta con los ojos alzados hacia el Cielo, porque las cosas que se piden en la Oración deben relacionarse precisamente con la que es nuestra verdadera patria, y no con las cosas de la tierra, donde somos peregrinos. (RIPA, 1987, v. 2, p. 159)

Ou ainda:


(...) con los ojos vueltos hacia al Cielo mostrándose con ello el conocimiento de sí mismo que engendra la humildad, así como el conocimiento de cuanto a Dios se refiere, que engendra la confianza; enseñándonos con ello que en lo que respecta al pedir no debemos ser ni tan humildes que desesperemos, ni tan confiados que no nos asalten las dudas a causa de las faltas y pecados cometidos. (ibidem, p. 159)

Vemos que a menina – na verdade a representação da alma humana – não demonstra medo devido a sua confiança em Deus, pois sabe que Ele virá em seu socorro prontamente, afinal ele não para de nos espiar a todo momento, conforme havíamos lido em Jó. Além disso, São Paulo disse-nos que, ao sermos batizados, morreríamos em Cristo, mas como ele ressuscitou, ressuscitaríamos também com ele, dessa forma,

Se Cristo está em vocês, o corpo está morto por causa do pecado, e o Espírito é vida por causa da justiça. Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vocês, aquele que ressuscitou Cristo dos mortos dará a vida também para os corpos mortais de vocês, por meio do seu Espírito que habita vocês. (Rm 8, 10-11)

Aqui começamos a fechar o cerco para a compreensão do todo emblemático passado por Hermann Hugo: o esqueleto é, na verdade, o próprio corpo morto pelo pecado, mas resgatado por Deus devido ao Espírito que habita na alma – no caso a menina – daqueles que conseguiram dominar seus instintos egoístas:

Se vocês vivem segundo os instintos egoístas, vocês morrerão; mas se com a ajuda do Espírito fazem morrer as obras do corpo, vocês viverão. (Rm 8, 13)

Para isso se faz necessária a meditação, o buscar-se, o refletir profundamente sobre sua existência e abandonar o homem velho para se revestir do novo:

Vocês devem deixar de viver como viviam antes, como homem velho que se corrompe com paixões enganadoras. É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência. (Ef 4, 22-23)

Depreende-se que o esqueleto não passa do homem velho que tem de morrer (ou já está morto se já foi tocado pela graça) para que o novo – a criança – possa tomar seu lugar. Isso explica a própria atitude do esqueleto, já que segurar a bochecha com a mão esquerda representa, para Ripa, meditação:

Estará reposando la mejilla encima de la mano del brazo izquierdo, plegándose este último sobre la rodilla del mismo lado, en actitud pensativa. (…)
La actitud en que aparece, sujetándose el rostro, significa la gravedad y profundidad de pensamientos en que ocupa su mente, ejercitándose precisamente en aquellas cosas necesarias e imprescindibles para actuar con la mayor justeza y perfección, evitando al azar y las acciones caprichosas.
(Ripa, 1987, pp. 63-64)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos, portanto, encerrar este artigo, afirmando que Alciato não poderia ter feito uma melhor escolha para o nome de sua obra, bem como o de ter influenciado o nome do gênero que dela resultou, pois mais do que uma simples imagem associada à palavra, é a figura de um mosaico que fica. Diante deste não basta só a proximidade, mas a distância; no entanto, só a distância não nos dá as particularidades do trabalho artístico, nem aquilo que, comumente, se chama de verdade; por isso, deve manter o equilíbrio, a mescla das duas formas, para procurar sentir como o artista trabalhou, como resultou seu trabalho, e o que é a verdade acerca desse mesmo trabalho.
Além disso, foi por meio desse mosaico de informações, saberes e conhecimentos que a imagem quis transformar-se em uma linguagem universal; e, apesar de sua relativa brevidade, o gênero emblemático influenciou grandes nomes da literatura e da pintura, inclusive em nossos dias, como Salvador Dalí, cujas obras deixam transparecer a consulta a esses manuais.
Hoje, apesar de estarmos tão distantes temporalmente, podemos questionar o porquê de se conhecer ou rememorar esse gênero do passado. A resposta é simples: como o homem do século XVII, cercado por inúmeras imagens e propaganda por todos os lados, assim também estamos nós, no XXI. E, como ilustramos no início deste texto, os grandes emblemas que temos hoje são aqueles resultantes diretamente do emprego das mídias que temos a nosso dispor; de sua propaganda que nos leva, cada vez mais, a tornarmo-nos dependentes dela mesma, abocanhando-nos sem sequer sabermos o que foi.
E o homem do século XXI, tão senhor de si, o homem do futuro, sem conhecer a si mesmo, perdido que está diante do imagético presente hoje, também clama pelo religioso; para sentir isso, basta ver nas esquinas das periferias das grandes cidades brasileiras, em pequenas garagens, que o nome de Deus é gritado em preces e louvores em inúmeras seitas que crescem todos os dias...
Também nós estamos presos, por isso temos muito mais em comum com o homem barroco e seu sistema de imagens do que nós próprios podemos imaginar; mas, como eles, preferimos ainda acreditar em Horapolo, afinal ainda há (muitas) pessoas que acreditam em tudo aquilo que as mídias transmitem: as novidades (mesmo que sejam velhas) valem muito!


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___________ . Iconofotologia do Barroco alemão. Tese de doutorado apresentado à Universidade de São Paulo, 2008.
GONZÁLES DE ZÁRATE, Jesús María. “Lo emblemático, lo mitológico y lo onírico en la pintura de Goya: el pintor y la visión del Príncipe”. In Cuadernos de arte e Iconografía. Tomo VIII – 16, Madrid, 1999.
PRAZ, Mário. Imágenes del Barroco (estudios de emblemática). Madrid, Ed. Siruela, 1989.
RIPA, Cesare. Iconología (Prólogo de Adita Allo Manero). Tomo l. Madrid, Akal, s/d.
___________. Iconología. Tomo II. Madrid, Akal, 1987.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O problema é maior que uma minissaia



Antônio Jackson de Souza Brandão

Fala-se muito da importância da liberdade, do papel da sociedade em coibir certas práticas preconceituosas contra os negros, as mulheres, os pobres, os homossexuais... Demonstra-se, com isso, a crescente maturidade de grande parcela da população, que procura adequar-se àquilo que se chama de “politicamente correto”. Parte desses arautos, porém, foram os que fizeram coro contra a eleição do presidente “analfabeto”, o mesmo que envergonharia a terra tupiniquim no exterior. Mas, o que se vê lá fora é um pouco diferente: o “analfa” não para de receber condecorações, deixando, por aqui, os doutores nisso e os doutores daquilo de cabelo em pé. E, o pior dos crimes, o analfabeto está se transformando em um estadista (e olha que nunca tivemos um nessa envergadura!), apesar de não possuir curso superior...
Parece paradoxal? Não é. Há muitos que se orgulham de seus diplomas pendurados em paredes, mas continuam analfabetos! Triste daqueles que acham que o curso superior é semelhante à pedra filosofal que transforma o material bruto em ouro, o parvo em culto. Pó mágico que transformaria a inépcia da leitura diária, das noites insones diante de livros e das discussões intelectuais em um manancial de cultura e saber. Mas, não é assim que as coisas (usei coisa proposital, caso meus ex alunos estejam lendo!) funcionam.
A universidade não tem esse poder transformador, primeiro porque tal pedra filosofal não existe; segundo, sem esforço próprio (e haja esforço!) não se vislumbra mudança alguma, nem a individual nem a coletiva, aquela que se espera daqueles que frequentam cursos universitários pelo país. Estes, por sinal, ganharam freguesia nova, motivada por políticas expansionistas do ensino superior no país, efetuadas por quem? Por aquele que alguns insistem em chamar de “analfabeto”, basta ver o que o Prouni anda fazendo pelo Brasil.
Mas, isso é bom? É e não é. É bom porque grande parcela da população, que nunca vislumbraria com um curso superior, pode-se dar ao luxo de frequentá-lo, algo inimaginável por muitos num passado recente. No entanto, tal alijamento demonstrou ser um erro estratégico de muitos governantes que ignoraram o avanço da sociedade e de sua dinamicidade, preferindo restringir a universidade para uma parcela mínima da população. Para quem quiser entender melhor esse “erro estratégico”, basta tomar o exemplo da Coreia do Sul, e verificará de modo mais claro o atraso socioeconômico que nossos “cultos” governantes intelectuais nos relegaram.
Por outro lado, tal “socialização” dos cursos superiores levaram a uma degradação geral da grande maioria dos cursos, algo só visto, nessa magnitude, na universalização efetiva do ensino fundamental e na deteriorização das escolas públicas no Brasil. Só que, constata-se agora uma inversão no ensino superior brasileiro: sua degradação é muito mais acentuada nas universidades particulares do que nas públicas e isso se dá, de forma abissal e alarmente nos cursos de licenciatura, base dos futuros professores de nossas crianças.
Os cursos de humanidades, por exemplo, antes o cerne universitário – filosofia, letras, ciências humanas – tornaram-se um curral para os conglomerados educacionais. Como são destinados às massas, valem-se da quantidade de bois que é possível manter juntos: quanto maior o número, maior o lucro. Tais cursos têm a única e exclusiva finalidade de “financiar” outros e são a menina dos olhos de qualquer universidade que se preze, como os de medicina e de engenharia. Isso porque são estes os expostos pela mídia, pelo marketing, por meio de fotos de seus laboratórios e de suas instalações, ou via resultado de pesquisas e de trabalhos publicados em órgãos internacionais. Evidentemente, excluem-se desse meio as universidades que se tornaram meras fábricas de diplomas, pois para essas os objetivos são claros: se há um galpão que pode ser transformado em sala de aula, lá estão eles comprando e transformando-o em um novo templo à procura dos dízimos de seus desgraçados fiéis, prometendo-lhe acesso antecipado ao mercado de trabalho (não há aqui nenhuma mera coincidência!).
Como impedir que um fiel desesperado não dê tudo o que tem a um pastor mal intencionado, ou que um aluno não estude em uma universidade de péssima qualidade, se ambos – o pastor e a universidade – oferecem o paraíso aqui e agora? Basta, proporcionar a todos os cidadãos uma base sólida por meio de uma educação de excelente qualidade! É muito fácil para essas instituições falar em livre-arbítrio, em liberdade de escolha, de que elas é que foram procuradas... mas são elas que insistem em não fornecer os elementos necessários para que esse livre-arbítrio seja construído. Muito pelo contrário: onde estão os excelentes cursos de licenciatura? E lá se tem o maldito círculo vicioso, que em alemão tem o sugestivo nome de “Teufelkreis” (círculo do diabo, em tradução livre!), cerceando a clareza e a verdadeira liberdade.
Um exemplo? O fato ocorrido em uma universidade curral, em que uma aluna foi execrada por colegas dentro de um de seus vários “campi” e por isso, simplesmente, expulsa de seus quadros. O pior é que a tal universidade ainda vem a público, depois de um fato horripilante e visto por todo o mundo, fazer-se séria e dizer que, tal retaliação foi devida à atitude da aluna, já que “educação se faz com atitude, não com complacência”. (Atitude? Complacência? Seriam esses termos bem empregados?) Vale salientar que, na entrada desse tipo de instituição, há catracas e seguranças que verificam a entrada de alunos e professores. Se um aluno estiver violando alguma norma interna da instituição, é obrigação de sua segurança interna barrar o mesmo, encaminhando-o aos órgãos internos competentes. Agora, permitir o contrário, permitir a execração pública, como se verificou, foi um ato de descaso total, uma atitude de falta de complacência.
Em um espaço em que não se busca a excelência, a pesquisa, a competência de seu corpo docente, mas o nivelamente baixo do curral, a inexistência de uma estrutura digna e a utilização de professores não-doutores e mestres para ministrar aulas (ou que não percebam como tal), que se pode esperar de uma instituição assim? Muito pouco ou quase nada. A permissividade já faz parte dessa estrutura, quando se vê que, nos cursos noturnos, ao invés de quatro aulas, há três; ao invés de um intervalo de quinze minutos (mais do que suficiente para adultos), observa-se um de mais de trinta minutos! O que os alunos fazem nesse tempo? Vão ao boteco, cantam um sambinha, paqueram garotas de minissaia vermelha, amarela, preta... e a tal universidade tem coragem de vir a público e falar em “responsabilidade social?” Ou dizer que seus “alunos foram aviltados”? Quem está aviltando quem?
Quando vejo a que foi relegado o curso de letras (com letra minúscula mesmo!), sinto-me impelido a envergonhar-me de ter feito esse indispensável curso. Quando o frequentei, tínhamos de estudar, no mínimo, quatro anos (bacharelado), acrescido de mais um ano de licenciatura. O que vemos hoje nas universidades de curral é o mesmo sendo oferecido em três anos, com muito menos aulas por semana e para uma clientela com, cada vez mais, baixo prerequisitos mínimos! Pior que tudo isso é o fato de que tais universidades sempre prometerem o impossível: a possibilidade de se fazer graduação com pós-graduação concomitantemente! Das duas uma, ou gênios ministram aulas para gênios e há uma perfeita simbiose (pode ser uma protocooperação?) entre eles; ou descobriram a pedra filosofal, só que ao invés de transformarem o parvo em culto, estão transformando falsas esperanças de um futuro melhor para o indivíduo e a sociedade em contas correntes repletas de dinheiro do contribuinte!
Não é mais possível que o MEC tape o sol com a peneira, nem que o governo continue financiando o lucro exorbitante de grupos universitários de curral. Não é esse sistema que vai fazer de nós uma grande nação! O primeiro passo já foi dado – e foi bem feito –, mas a fiscalização tem de ser bem mais ampla e efetiva, a fim de que atos de terrorismo como o verificados no “campus” universitário em São Bernardo, plataforma do presidente companheiro, nunca mais se verifiquem, não pelo ato em si, mas por aquilo que ele encobre, por tudo aquilo que subjaz à pretensa responsabilidade moral e ética. Não se pode mais esquecer que o termo hipocrisia não rima com educação, mas que liberdade universitária pode rimar, infelizmente, com mediocridade.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Como moribundos


Antônio Jackson de Souza Brandão

Falar em violência virou lugar-comum há muito tempo no Brasil. Inúmeras pesquisas indicam que essa é uma das grandes preocupações dos brasileiros há muito superada pela inflação que, pelo visto, virou coisa do passado.
Suas causas podem ser várias. Lembro-me muito, lá pelos idos dos anos 80, que grande parte da preocupação do momento, pelo menos para nós que estávamos inseridos nos modelos da teologia da libertação, era o desnível social, a falta da distribuição de renda, o alijamento de alguns membros da sociedade das benesses proporcionadas por nossa sociedade de consumo... assim, esses não viam outra opção que galgar os meandros do crime.
As coisas mudaram muito no Brasil, inclusive a própria violência. Esta antes restrita a camadas menos favorecidas de nossa sociedade, voltou-se para todas elas, sem o menor preconceito: saiu da favela e entrou no palácio; estirou seus membros da Rocinha, da Cidade de Deus, de Heliópolis e de Americanópolis para a Barra, para os Jardins e para o Morumbi.
É evidente que as drogas têm um papel protagonista nessa situação, mas... (é sempre ela, essa adversativa sempre mostra que as coisas vão para outros lados, ou seja, não é bem assim que as coisas são...) mas, a degradação das famílias e o abandono de seu papel pelos pais têm piorado esse quadro.
Os chamados filhinhos de papai não sabem o que é limite e estão sempre resguardados por suas famílias que têm seu nome a zelar. Essas só se esqueceram de que para sua concretização não basta tapar o sol com a peneira da indiferença, mas encarar o problema de frente: criticam as famílias mais pobres por terem filhos às pencas, mas de que vale ter somente um se não se sabe educá-lo para a sociedade? Se essa criança, futuro adolescente revoltado ou acomodado, vai fazer com que os pais respondam depois por aquilo que não fizeram quando deveriam ter feito, ou seja, quando seu rebento era o que era: um botão que necessitava de cuidados especiais? Não, é mais fácil delegar... só se esquece de um pequeno detalhe: não é possível delegar responsabilidades civis!
Há muitos anos no magistério, já vi e ouvi tanta coisa que deixariam de cabelo em pé qualquer um. Me lembro de uma garota em um grande colégio de São Paulo no bairro nobre dos Jardins. Uma vez falando sobre colesterol, ouvi-a dizer que o pai deveria ter o seu muito alto, já que era gordo, não fazia ginástica e não se importava com nada: ele só sabe trabalhar, Jack! Ah, detalhe, ela disse em alto e bom som: ele tem de morrer logo... quem sabe me deixa alguma coisa!
Nossa, assustador! pelo menos para mim. O infeliz do pai se mata, paga um colégio caro, envia a filha para intercâmbio no estrangeiro (no segundo ano do ensino médio, há o costume de se fazer viagens de estudo no exterior) e ela acha que o mesmo tem de morrer logo!
Fria, seca e indiferente foram suas palavras, não é à toa que há muitas Richthofen nas classes A e AA, aguardando sua vez para agir: não pensem que vocês pais estão imunes! ou se educa enquanto são pequenos, ou ariverderci amici.
Mas, se eu falar para vocês o que me motivou a escrever essas poucas linhas, muitos podem dizer: coisa de poeta que gosta de voar... Pode ser, mas não pude deixar de me manter indiferente às fotos de um jogador de Fluminense que comemorou seu gol (diante do quase iminente rebaixamento), utilizando as mãos como se fossem armas que atingem o inimigo.
Vindo de uma cidade como o Rio de Janeiro não é de se esperar outra coisa. Não, não pensem que tenho o preconceito bobo que existe entre as duas maiores cidades brasileiras, vai muito longe disso: amo o Rio, suas paisagens e sua gente. Emocionei-me quando ela foi escolhida para sediar as olimpíadas (estamos virando gente importante!), mas não tenho como abominar um gesto tão grosseiro com que os portais de internet me brindam, quando os abro à procura de algo construtivo para ler.
Esses jogadores deveriam se lembrar de que, como pais, têm de dar exemplo, estão sendo vistos por jovens e adolescentes, muitos dos quais abandonados à própria sorte e em busca de heróis! O gesto infeliz demonstra uma total miopia, já que a vida se faz de pequenas batalhas travadas diariamente. Nenhuma delas é a única e definitiva, dificilmente uma guerra se vence com uma só. A alegria momentânea pode ser somente uma falsa esperança, como aquelas que os moribundos dão antes de morrer.

sábado, 24 de outubro de 2009

Há anos luz...


Antônio Jackson de Souza Brandão

Ficar velho é tão bom... essa afirmação pode parecer paradoxal para alguns, mas isso vai depender muito do ponto de vista empregado. Isso fica claro quando fico pensando em como eu era e como sou hoje, além, é claro, de outros fatores como saúde, relação social, amizades, estabilidade financeira...
Quando se é adolescente, por exemplo, não se vê a hora de se ter total liberdade dos pais. No entanto, essa é muito relativa, já que ainda se necessita dos velhos para tudo, principalmente como porto seguro, aonde se dirige em meio à tempestade. A pseudo-liberdade total dispensaria isso, já que pressupõe a não necessidade de ninguém, mas a autosuficiência (mas será que ela realmente existe? Olha a idade fazendo a diferença!).
Quando falo em ficar velho, é óbvio que não falo, emancipar-se, ter dezoito ou vinte anos, digo ficar velho mesmo: época em que a maturidade vem, e com ela certos conhecimentos que nem de longe o mais esperto dos adolescentes pode possuir, já que não tem o essencial: o tempo vivido que livro nenhum pode nos passar.
Hoje, por exemplo, está um dia maravilhoso de sol, fui a meu jardim e arranquei uma dezena de pragas de meu jardim – para os desavisados, praga são aquelas plantinhas que parecem grama, mas não são, têm cor diferente e se espalha por todo o gramado dando-lhe uma aparência (para quem entende, ou finge entender, como eu!) horrível –; pois bem, estava no jardim e ouvia uma música que fez muito sucesso nos anos 70, It's A Heartache, cantada por Bonnie Tyler.
Ela me fez viajar para minha infância, quando visitava meus tios e meus primos, então jovens em plena atividade na época da discoteca. Mas não satisfeito, ouvi duas ou três vezes, até enjoar. Depois ouvi um Cd dos 90, do Terra Samba: não tive como não sambar... sambei até suar. Ah, para quem não me conhece, sou assim mesmo: eclético, escuto (quase) tudo.
Pode parecer ridículo um velho ficar sambando como bobo, mas é isso que faz a grande diferença: a gente perde certas vergonhas, não se preocupa muito com o que esta ou aquela pessoa vai dizer. É verdade que hoje, a garotada diz conhecer tudo (como sexo, por exemplo, coisa impensável – explicitamente falando – há algumas décadas), mas ainda mantém aquele, podemos dizer, pudor, certa vergonha, apesar de alguns fazerem questão de mostrar o contrário: ainda está em formação, ainda não conhece plenamente seus sentimentos, suas emoções e reações (como se os velhos também os conhecessem em plenitude!). Aí está uma grande diferença: o conhecer-se (melhor) ou ainda não se conhecer totalmente.
Para encerrar, ia me esquecendo do que eu ouvi muito os alunos falarem: todo velho fala que ser velho é bom porque não tem mais a juventude que eles têm. Pode até ser verdade por um aspecto: deixa-se de ser um sonhador para estar sempre com os pés no chão, por outro lado os velhos de quarenta ou mais anos de hoje têm um fôlego que deixam aqueles velhinhos da mesma idade – que há algumas décadas punham o pijama no lugar do uniforme que utilizaram grande parte de sua vida – a anos luz, afinal não se tinha outra opção que ficar com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

haikai X

à L.A.

a luz se esparrama
vinda do céu para a terra:
e a vida germina!

© Antônio Jackson de Souza Brandão

terça-feira, 28 de julho de 2009

me duelen las espaldas


me duelen las espaldas
el tiempo no se importa
con los sucesos del pasado
los éxitos del presente
tampoco con los sueños del futuro

me duelen las espaldas
ayer la fuerza estaba tan cerca
el camino se abría con los
toques de los ojos
que enseñaban logros nuevos

me duelen las espaldas
las sillas ya no dan conforto
las mesas están repletas
de trabajo y, incómodo,
mi reloj siempre grita:
¡corra!, ¡corra!, ¡corra!

© Antônio Jackson de Souza Brandão

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A areia e os sonhos




Meus momentos não são mais meus
Quero detê-los
Mas não tenho vontade
Para fazer isso
Escorrem de minhas mãos
Como a areia
No mar
Ou os sonhos
Ao amanhecer

© Antônio Jackson de S. Brandão

segunda-feira, 18 de maio de 2009

REVISÃO TEXTUAL

Todo texto escrito deve levar em conta os princípios e as regras estabelecidas pelo que chamamos de padrão culto, apesar de esse ser, muitas vezes, ignorado, devido a desconhecimento, dificuldade ou mesmo falta de tempo daquele que escreve.

Se Você ou sua empresa necessita de uma equipe dinâmica que leva em conta o prazo e a qualidade, a ЈαскВяаn Consultoria pode auxiliá-lo, pois buscamos sempre mostrar que a boa aplicação linguística não representa um texto de difícil acesso, mas um claro e de acordo com os objetivos propostos por Você.

Conte com nossa equipe, pois mais do que um serviço de revisão, garantimos competência, confiabilidade, além, se for necessário, discussão de ideias para que seu texto faça a diferença!

Revisão de
* Teses
* Dissertações
* TCC's
* Peças Jurídicas
* Textos de Propaganda e Marketing...


Prof. Dr. Antônio Jackson S. Brandão


www.jackbran.com.br/revisao.html

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Fontana de Trevi

La fuente exhala
su voluntad de nos llamar
¡ven, quédate cerca!
sólo una moneda
y te prometo que siempre
volverás a me ver
La miro, desconfiado,
no creo oír
su voz musitada
en una brisa de verano
Nadie cerca
Y la fuente burbuja para mí
Amo Roma
quiero volver, pero sólo tengo
dos monedas…
Me siento a su borde
mi mano bucea
en ella
la siento húmeda
corro a su alrededor, mis
manos en sus curvas:
ella reí para mí:
Neptuno cierra los ojos
escalofríos, me escalofrío también
y nos quedamos juntos
Tengo de irme: quiero tornar
Lanzo mis monedas:
me voy a pie
© Antônio Jackson de S. Brandão

quarta-feira, 18 de março de 2009

Miséria humana

Enfim o que somos? Uma angústia de dor,
Uma pseudo-feliz dança e um fogo-fátuo ebóreo,
Uma neve quase-fundida e um ermo flóreo,
De apreensão um palco e extinta uma vela a cor.

A vida se esvai tal conversas e rubor
E expulsa-nos desta vacilante veste óssea:
Há muito lançada no registro marmóreo
Da hecatombe, sem sentido esquecida e cor;

Assim como um sonho em vão desmoronando
Ou uma enxurrada sem obstáculo avançando
Assim nossa fama e honra e glória findará.

Num momento respirando, mas vem a nova:
Que nos sucede então? Nos lança a morte à cova
Assim como o vento a fumaça levará.

Andreas Gryphius, tradução de Antônio Jackson de Souza Brandão (in http://www.jackbran.pro.br/traducoes/traducoes_principal2.htm)

sábado, 7 de março de 2009

Quem é você?


Quem é você
que me chega assim
tão despretenciosamente?
me arrasta para onde
não quero ir
me cheira, me beija,
me enlouquece e
entontece assim
como coruja em noite
sem luar?

Quem é você
que se arrisca a vir
me buscar
no calor do sol de verão
em meio ao mar de emoção
lançado à praia de verdes
trigais esparramados
nos prados
de cristais azuis?

Se soubesse, fugiria
para longe
às trilhas distantes
eu iria
para que nunca me encontrasse e
sentisse na eternidade de meus dias
a alegria da não-separação.

© Antônio Jackson de S. Brandão

quinta-feira, 5 de março de 2009

Dear Mr. President


Dear Mr. President
Pink

Dear Mr. President,
Come take a walk with me. (Take a walk with me)
Let's pretend we're just two people and
You're not better than me.
I'd like to ask you some questions if we can speak honestly.

What do you feel when you see all the homeless on the street?
Who do you pray for at night before you go to sleep?
What do you feel when you look in the mirror?
Are you proud?

How do you sleep while the rest of us cry?
How do you dream when a mother has no chance to say goodbye?
How do you walk with your head held high?
Can you even look me in the eye
And tell me why?

Dear Mr. President,
Were you a lonely boy? (Were you a lonely boy)
Are you a lonely boy? (Are you a lonely boy?)
How can you say
No child is left behind?
We're not dumb and we're not blind.
They're all sitting in your cells
While you pave the road to hell.

What kind of father would take his own daughter's rights away?
And what kind of father might hate his own daughter if she were gay?
I can only imagine what the first lady has to say
You've come a long way from whiskey and cocaine.

How do you sleep while the rest of us cry?
How do you dream when a mother has no chance to say goodbye?
How do you walk with your head held high?
Can you even look me in the eye?

Let me tell you 'bout hard work
Minimum wage with a baby on the way
Let me tell you 'bout hard work
Rebuilding your house after the bombs took them away
Let me tell you 'bout hard work
Building a bed out of a cardboard box
Let me tell you 'bout hard work
Hard work
Hard work
You don't know nothing 'bout hard work
Hard work
Hard work
Oh

(How do you sleep at night?)
(How do you walk with your head held high?)
Dear Mr. President,
You'd never take a walk with me.
Would you?

terça-feira, 3 de março de 2009

o corpo


me toma todo
o corpo em todo seu frenesi
o leve ao chão
o derrube
corre por ele
lágrimas de prazer
se derramam no tapete
sonhe em me ter todo
o pegue sem medo de
gritar de encanto
teu cabelo molhado
e o meu suor:
um nada mais
até a barriga não suportar
e a boca estar repleta

© Antônio Jackson de Souza Brandão