Sou pai...

te vi chorando à noite

o medo o escuro a visão

não havia precisão de palavras:

um olhar um beijo um carinho

vi teus olhinhos fechar...

eu tava ali... sou pai...

te vi os bracinhos erguer

meu rosto carinhar

engatinhar...

teus primeiros passos dar cair levantar

eu tava ali... sou pai...

te vi caindo na rua a dor o sangue as lágrimas

não havia precisão de palavras

corri, tu nem notaste

assoprei carinhei mertiolate passei

tuas lágrimas limpei...

eu tava ali... sou pai...

vi teus olhinhos brilhar na frente da bicicleta

fui eu que te dei os impulsos

mesmo com medo... fui eu quem te soltou:

sabia que podias: sempre confiei em ti

eu tava ali... sou pai...

não vi teu frio

não havia precisão

mesmo trabalhando senti o arrepio de tua pele

te cobri, te aqueci com um beijo

eu tava ali... sou pai...

te vi com imensa alegria no primeiro dia da escola

não havia precisão de palavras

te acompanhei com uma tristeza estranha sofri rezei

teu sorriso acompanhei

eu tava ali... sou pai...

mesmo doendo disse mais “não” que “sim”

sei que não entendias

talvez não tenha sido o amigo que querias:

há coisas que não existem explicação

eu tava ali... sou pai...

te vi crescendo, buscando teus caminhos

rindo com teus amigos

chata irritando-te com tudo

fingi que não eram comigo os gracejos

mas eu tava ali... sou pai...

te vi sofrendo de amores construindo teu mundo

erguendo e reerguendo castelos...

esperei um beijo uma ligação uma carta talvez...

afazeres faculdade trabalho...

eu espero... eu tava ali...

sou pai...

outros podem vir... mas nenhum vai sentir

o que senti o que vi naquelas noites em que teu sono embalei

nem as músicas que para ti cantei

quando ainda buscavas ser...

não... ninguém vai querer saber como foi...

mas eu sei como foi...

eu tava ali! sou pai...

e apesar de tudo, quando tudo não fizer mais sentido

pode vir a mim

seus olhos sempre serão os mesmos olhinhos

os braços, os mesmos bracinhos

e continuarei acreditando em ti:

sempre estarei contigo:

agora sim, mais que um pai,

um amigo

 © Antônio Jackson de Souza Brandão